Referência:
GENRO FILHO, Adelmo. Algumas palavras sobre o projeto de um Centro de estudos e debates do marxismo. Porto Alegre, CEFiP, maio, 1987, mimeo., 7 pp. [Texto datilografado em cópia reprográfica] [Ref.: T209]
 
 
Algumas palavras sobre
o projeto de um Centro de
estudos e debates do marxismo

 

A luta revolucionária pelo socialismo encontra-se, hoje, mergulhada numa crise profunda e de largo alcance histórico. Subestimá-la ou ignorá-la é o primeiro equívoco de quem se propõe a pensar o marxismo e torná-lo - tal como já foi no século passado e início deste - uma concepção capaz de impulsionar milhões de homens na transformação do mundo e conquistar as inteligências mais generosas da intelectualidade.

As chamadas sociedade "pós-revolucionárias" desenvolveram formas de opressão política, manipulação cultural e exploração econômica totalmente imprevistas pelos clássicos do marxismo. A União Soviética e a China adotam alternativas econômicas e políticas cada vez mais distanciadas dos objetivos igualitários e desalienantes propugnados por Marx e Engels. Além disso, implementam políticas hegemonistas ao nível internacional, submetendo os interesses da luta pelo socialismo aos seus propósitos de "grande potência".

O modelo da revolução bolchevique, do partido bolchevique e do marxismo bolchevique - segundo a interpretação burocrática e grosseira de Stalin e seus seguidores - foi transposto como um dogma religioso para todas as nações, sendo os comunistas coagidos ao ritual do servilismo político e intelectual diante dos "chefes infalíveis". Com algumas exceções honrosas (Gramsci, Trotsky, Lukács e outros - a maioria estigmatizados, perseguidos ou eliminados fisicamente), o marxismo se transformou numa escolástica a serviço da nova "Inquisição". Enquanto filosofia e teoria, o marxismo não só deixou de avançar - o que seria já extremamente grave para uma concepção que se pretende dialética e revolucionária, alicerçada na idéia de práxis -, mas também sofreu distorções e falsificações de toda a ordem. Esse quadro, entretanto, não deveria ser considerado surpreendente. Em 1926, respondendo às críticas sobre o sectarismo e o dogmatismo de uma política que afastou os melhores cérebros do Partido Comunista Alemão, Stalin dizia:

"Alguns intelectuais dizem que o Comitê Central do PCA é débil, que dirige deficientemente, que a ausência de intelectuais no seu seio repercute negativamente no seu trabalho, que o Comitê Central não existe, etc. Camaradas, tudo isso é falso. Essa parlapatice, no meu entender, é própria de intelectuais e indigna de comunistas"; "diz-se que o atual Comitê Central não brilha por seus conhecimentos teóricos. E daí? Desde que a política seja acertada, os conhecimentos teóricos são supérfluos. Conhecimentos teóricos são coisas que se adquirem; se não se os tem hoje, amanhã se os conquista. Para alguns intelectuais presunçosos, porém, o que não é fácil é assimilar a correta política praticada atualmente pelo Comitê Central do PCA. E a força deste Comitê Central consiste em que se aplica uma justa política leninista, coisa que os intelectualóides que rendem culto aos 'conhecimentos' não querem compreender." ( 1 )

De fato, para aplicar a "correta política" os conhecimentos são dispensáveis, a reflexão e a inteligência são desnecessárias e até prejudicam o funcionamento do aparelho partidário. Traduzindo: para obedecer não é preciso pensar, basta ter uma fé cega nos "chefes" e executar. No caso do PCA, dispensados pelo chefe da incômoda tarefa de raciocinar e da complexa necessidade de fundar a ação em "conhecimentos teóricos", o Comitê Central continuou aplicando sua "justa política leninista", que identificava a social-democracia com o fascismo e a tomava como inimigo principal. Por isso, abriu caminho para a ascensão de Hitler ao poder.

É um grave erro ignorar a força dessa tradição entre nós. Os hábitos mentais e a postura intelectual que daí se originaram lançaram raízes profundas e se espraiaram por todo o movimento comunista, mesmo entre aqueles que conscientemente recusam e denunciam esse passado vergonhoso e ignóbil do "marxismo-leninismo" cunhado por Stalin e seus epígonos. O constrangimento que esse tema produz entre nós, como se fosse algo "sobejamente conhecido", que não temos necessidade de repisar e relembrar, indica a superficialidade com que é praticada a autocrática ética e teórica. Tal como os cristãos de esquerda, de centro ou de direita, não gostamos de relembrar a luz e o calor das fogueiras em que arderam os nossos hereges, sob o patrocínio ou beneplácito de uma concepção da qual - em alguma medida - somos herdeiros e, talvez, retrospectivamente responsáveis ou coniventes. Mas a verdadeira postura de revolucionários marxistas, de autênticos comunistas que honram a grandeza humanista e desassombrada de Marx, Engels, Lênin e tantos outros, implica em levar o processo crítico até suas últimas conseqüências. E que ninguém seja poupado! Até hoje, sequer conseguimos responder uma questão básica: Por que o stalinismo conseguiu submeter, esterilizar e manipular a nata dos revolucionários da União Soviética e do mundo? Como conseguiu fazer do partido bolchevique e da tradição do marxismo e do leninismo uma escória de dogmáticos e sectários? Essa interrogação se coloca aos comunistas como esfinge que deve ser decifrada para que não venha a devorá-los mais cedo ou mais tarde. O terror e a falsificação explicam apenas uma pequena parte do problema, mas não a facilidade com que centenas de milhares foram enganados ou se submeteram.

A II Internacional naufragou definitivamente no 4 de agosto de 1914, quando os alemães votaram a favor dos créditos de guerra e foram seguidos pelos socialistas dos demais países. Consolidou-se, então, como expressão do reformismo e do oportunismo do movimento operário. A III Internacional, fundada em marco de 1919, sob a liderança de Lênin e do Partido Bolchevique, jamais conseguiu equacionar uma estratégia revolucionária para os países capitalistas mais desenvolvidos, o que em parte foi reconhecido pelo próprio Lênin. Já no final dos anos 20 era a manifestação acabada do dogmatismo e do sectarismo, passando a servir apenas como instrumento dos interesses nacionais do Estado Soviético. No VI Congresso, em 1928, a Internacional adotou a fórmula do "socialismo num só país", falsificando e tergiversando as teses de Marx e Lênin sobre a revolução mundial e a construção do socialismo. Foi a plataforma "teórica" para a manipulação permanente do movimento comunista internacional segundo as "razões de Estado" da União Soviética. Alguns como Trotsky e seus adeptos, denunciaram a farsa e tiveram um trágico destino. A maioria, simplesmente acatou!

Foi sob essa bandeira - do "socialismo num só país" -, que a I.C. barganhou a Revolução Chinesa e a Revolução Espanhola, para citar os dois exemplos mais conhecidos.

Em 1924, vertendo lágrimas sob o túmulo de Lênin, Stalin havia jurado solenemente defender a Internacional e mantê-la a serviço da revolução proletária mundial. Em 1943, através de uma decisão manipulada, basicamente com a finalidade de melhorar as relações com os países ocidentais, contendo a luta antifascista nos limites da democracia burguesa, a I.C. foi dissolvida, sem que nenhuma conexão formal ficasse estabelecida entre os PCs do mundo inteiro. A I Guerra foi a câmara mortuária da Segunda Internacional. A II Guerra enterrou a Terceira Internacional que, aliás, já estava em adiantado estado de putrefação política e teórica. No entanto, o PC soviético continuou a ser o articulador e mentor dos partidos órfãos da Terceira. A IV Internacional, fundada por Trotsky, em parte graças ao prestígio da Revolução Bolchevique e ao hegemonismo ideológico do estalinismo, mas sobretudo pelas limitações da marxismo de Trotsky para enfrentar os novos problemas da revolução mundial, jamais adquiriu maior significado na luta de classes ao nível internacional.

Essa crise do movimento comunista, como se pode perceber através destas rápidas pinceladas sobre o passado, não é apenas uma "crise de direção" do movimento operário, como insistia Trotsky e repetem seus seguidores. Tampouco é uma crise que pode ser resolvida pelo simples retorno à pureza dos clássicos do marxismo, em cujo seio seriam encontradas as verdades imaculadas - imunes ao tempo e às interpretações falaciosas - capazes de resolver nossos problemas atuais. As limitações históricas das contribuições de Marx, Engels e Lênin - hoje perfeitamente visíveis - encerram ambigüidades e equívocos que não podem ser integralmente inocentadas na análise das perversões e desdobramentos que sofreram. Outro modo de conceber o desenvolvimento do processo histórico e da consciência humana implicaria, necessariamente, numa postura religiosa. Os dogmas religiosos revelados através dos livros sagrados podem ser "reinterpretados", jamais discutidos em sua essência, pois eles expressam verdades eternas que transcendem o mundo dos homens e a sua historicidade. O marxismo, no entanto, é feito de outro material: verdades que se afirmam, se superpõem e se negam de conformidade com a experiência e os projetos que os próprios homens vão constituindo em sua aventura singular de autoprodução e invenção do mundo.

Some-se a isto o fato de que durante meio século os comunistas foram reprimidos e educados para subserviência e a passividade diante dos grandes e pequenos chefes. Refletir, indagar, duvidar, questionar, discordar, poderia significar (de fato, para milhares significou) a marginalização, o desprezo, o estigma de "traidor", o cárcere, a tortura ou a morte. Trotsky, um grande revolucionário e escritor vigoroso, assassinado por ordem de Stalin, foi apenas a vítima mais eminente,

O pensamento marxista, encontrando terreno adverso entre os militantes comunistas, passou a desenvolver-se - geralmente com inflexões acadêmicas e posturas reformistas - nos meios universitários e entre a intelectualidade sem partido. O pensamento crítico e criador ficou à margem dos militantes e deixou de interferir diretamente na luta de classes, quase sempre perdendo-se de seus compromissos efetivos com a práxis revolucionária, assumindo uma dialética puramente "negativa", quando não pessimista e contemplativa. (Vide "Escola de Frankfurt"). A ação direta na luta de classes divorciou-se da reflexão ousada e do debate aberto. Criou-se um índex dos autores e livros proibidos e os rótulos condenatórios ("revisionismo", "oportunismo", "trotskismo", bukarinismo", "hegelianismo", etc.) passaram a interditar a discussão, a crítica teórica e o pensamento em geral. Até hoje não são poucos os militantes da esquerda que usam e abusam destes termos sem conhecerem, sequer minimamente, sua origem, o contexto em que se tornaram usuais e a imprecisão de seus significados.

De um modo geral, queiramos ou não, a esquerda militante é fruto desse divórcio da prática política em relação ao pensamento teórico (e não o contrário), de uma prática que se amesquinhou em obediência e submissão intelectual. Nossos temores em relação ao "teoricismo" e ao "intelectualismo" configuram a manifestação caricatural da impotência teórica a que fomos reduzidos. Alguns militantes parecem pensar que é melhor não refletir para não correr o risco de concluir algo errado e incorrer em algum "desvio".

Não se trata, portanto, de tomar cuidado para que não se crie um "abismo entre a teoria e a prática". O abismo existe e somos nós, os militantes, que estamos no fundo deste abismo e não sabemos. Nossa desconfiança em relação à teoria e ao pensamento criador e crítico corresponde a uma inversão de nossos pecados: é como se culpássemos a humanidade por ter evoluído rapidamente ao homo sapiens e, assim, irresponsavelmente produzido o "elo perdido" com o qual se debatem os antropólogos.

A relação entre a teoria e a prática, para o marxismo, não pode ser compreendida de maneira vulgar e diminuída, como um chavão. Mas como uma grandiosa práxis revolucionária que se move não pela identidade de seus termos, não pela igualdade entre uma e outra, não pela reiteração de uma pela outra, mas em virtude do "abismo" que a prática cria em relação à teoria e vice-versa. A prática, a experiência histórica, já cumpriu até em demasia a sua parte, já cavou o seu "abismo" em relação aos nossos conhecimentos teóricos e nossa postura intelectual. O que a realidade está a exigir, atualmente, é que a teoria revolucionária cumpra o seu papel e cave o seu "abismo" em relação à nossa prática empobrecida e míope. O "abismo" que tememos cavar é o que necessitamos. E o "abismo" que temos e cultuamos é precisamente aquele que deveríamos negar, aquele que é imprescindível superar. A tarefa intelectual que temos hoje é "abismar" a teoria, distanciá-la da imediaticidade em que se afundou para que possa oferecer uma visão de conjunto (como totalidade) do processo histórico que estamos atravessando, e possamos nos ver claramente dentro dele.

O problema atual da luta ideológica e da teoria não se limita aos termos colocados por Gramsci (o que, sem dúvida, representou um avanço importante), ou seja, a disputa ampla da hegemonia frente aos modernos aparatos ideológicos, culturais e científicos da burguesia através de uma "guerra de posição" que visa a formação de um novo "bloco histórico". Mas também de reconhecer que, no que diz respeito ao conteúdo de nossa visão de mundo e nossas concepções teóricas, estamos defasados diante da realidade do mundo contemporâneo e, inclusive, frente aos avanços particulares das ciências e das filosofias hegemonizadas pela ideologia burguesa.

Se não acertarmos contas, radicalmente, com nossa tradição e os hábitos mentais que ela produziu, nosso discurso, em favor de um marxismo anti-dogmático, militante e criativo não poderá ultrapassar a farsa das palavras grandiloqüentes e vazias. Nossas tarefas teóricas começam, então, pela disposição de analisar de maneira autocrítica, exaustivamente, em todas as suas premissas e conseqüências, os 50 anos de paralisia teórica do marxismo revolucionário e, também, repensar as contribuições "marginais" que foram deixadas de lado nesse período, por mais ambíguas e limitadas que tenham sido em termos ideológicos e políticos.

No fundo, ainda pensamos, em grande medida, pelo figurino metodológico do stalinismo. Não chegamos a dizer que os .. conhecimentos teóricos são supérfluos", mas acalentamos a doce ilusão que "se não se os tem hoje, amanhã se os conquista", já que o importante é uma "justa política leninista". Achamos que, no plano teórico, nossa missão é ensinar aos operários e militantes do movimento popular um marxismo calcificado que mal dominamos. Nessa linha de raciocínio estreita, a função que se imagina para um Centro de atividades teóricas é a "divulgação do marxismo" e a "formação" de militantes para que desempenhem melhor suas atividades políticas cotidianas.

Não basta reconhecer que precisamos estudar, debater e, sobretudo, refletir e questionar a respeito das verdades estabelecidas. Isso é importante, mas não é tudo. Ao nível do discurso, pelo menos, todos o admitem e muitos até repetem diariamente. É indispensável, hoje, um modo inteiramente novo de conceber a própria questão teórica da luta pelo socialismo. A teoria, a filosofia e o saber em geral constituem não só um aspecto tático e estratégico da implementação política da luta de classes e da tomada do poder de Estado, mas fundamentalmente um problema do "fazer histórico" em sua globalidade. A teoria e o conhecimento não podem ser considerados simplesmente instrumentos da prática política em sentido estrito. Mas se constituem, em si mesmos, como dimensão efetiva da luta de classes e da própria possibilidade de criar uma sociedade socialista e abolir todas as formas de exploração e opressão. Em síntese, o conteúdo da história, em seu desenvolvimento, não está pré-determinado, bastando apenas uma teoria capaz de encontrar políticas eficazes para movimentar o processo histórico num leito já marcado. O conteúdo do futuro que construiremos depende, fundamentalmente, da natureza dessa concepção que vai movimentar o processo e em qual das direções possíveis vai fazê-lo. A inteligência e o pensamento - enfim, os indivíduos - não podem abrir mão dessa responsabilidade diante do futuro, dessa dívida que a sua consciência precisa resgatar com o conteúdo da história que ele está ajudando a construir. Nesse nível, tal como o da dignidade e da honra, não é possível subestabelecer responsabilidades ou mandatos de representação política.

Assim, a condição primeira para que o Centro possa cumprir sua missão na luta de classes atual é que seja uma "via de mão dupla", isto é, que consiga mobilizar o pensamento em função dos questionamentos postos pela ideologia revolucionária e, por outro lado, que faça transitar o hábito da reflexão ampla e totalizante em relação às miudezas da prática cotidiana, a fim de situá-la no contexto das grandes questões históricas e filosóficas de nossa época. Nesse sentido, além dessa "mão dupla" - o que exige uma amplitude e pluralidade dentro de uma perspectiva revolucionária - o Centro deve ter um movimento próprio enquanto instância de reflexão e formação em torno de um marxismo criativo e comprometido com as diversas questões ligadas à revolução. Ele deve expressar um movimento teórico e filosófico no qual "educadores" e " educandos" mudem de posição constantemente por meio do debate e da crítica.

ALGUMAS PROPOSTAS

Com base nas considerações oferecidas acima, passo a algumas propostas mais específicas:

1. O Centro não deve ter como preocupação tornar-se um aparato ou instrumento da luta de massas, ou mesmo um órgão de formação política e teórica das massas; isso não exclui, ocasionalmente, a realização de certas promoções culturais ou pedagógicas que se tornem "massivas", quer dizer, que envolvam algumas centenas de pessoas.

2. O Centro não deve ter uma visão apologética do marxismo-leninismo; deve priorizar o conflito de opiniões e o debate, deve patrocinar a polêmica dentro de um leque de posições teóricas em torno da questão do socialismo.

3. O Centro deve priorizar suas promoções, debates e estudos em torno das questões filosóficas, teóricas e políticas suscitadas pelo marxismo, a crise do movimento comunista e os impasses da revolução mundial e brasileira. Mas não pode restringir-se a tais temas, devendo também patrocinar debates e estudos sobre questões culturais, artísticas e éticas contemporâneas, especialmente aquelas que mobilizem segmentos de intelectuais e ativistas políticos mais jovens.

4. O Centro deve ter como preocupação fundamental servir como catalisador do desenvolvimento de uma inteligência crítica e teórica (sobretudo com aquela nova visão sobre o papel histórico da teoria e do conhecimento) dos marxistas revolucionários situados no "campo operário e popular". Deve abrir o caminho para a constituição de um "núcleo teórico marxista" com posições revolucionárias e plenamente capacitado para enfrentar os embates ideológicos e intelectuais com o pensamento da "esquerda universitária" e dos reformistas em geral.

5. Em segundo lugar, na ordem de prioridades, sua preocupação deve ser a formação política e teórica elementar dos ativistas em geral do movimento sindical e popular. Aqui entra, de modo especial, a tarefa pedagógica em seu sentido clássico que, não obstante, jamais deverá ser feita com base em fórmulas simplistas e esquemáticas. Essa tarefa, igualmente, exige a experimentação e a superação de hábitos mentais arraigados entre aqueles que serão os "educadores", os quais terão de "educar-se" no mesmo ato, paralelamente.

6. Para sua maior eficácia o Centro deverá aplicar uma política (sem trocadilho) de descentralização das atividades, buscando envolver dezenas de militantes e intelectuais que simpatizam com suas propostas, oferecendo uma efetiva margem de autonomia para a iniciativa, a criatividade e as preocupações teóricas e intelectuais já existentes entre aqueles que se disponham a trabalhar nele. A pouca curiosidade intelectual, a escassa inclinação teórica e a restrita autonomia de pensamento e iniciativa existentes hoje no campo operário e popular não devem ser economizadas Pelo Centro.

7. Quanto aos níveis operacionais de atividade penso que devem ser, basicamente, três:

a) dos pequenos grupos que se auto-organizam espontaneamente para estudar, realizar seminários ou produzir teoricamente sobre os mais diversos temas situados nos propósitos gerais do Centro;

b) dos seminários, cursos, debates e palestras sobre os temas referidos no ponto "3", tais promoções devem envolver projetos que se articulem dentro de um programa de atividades, sem prejuízo das iniciativas paralelas e não programadas. (Algumas sugestões temáticas: a questão do partido leninista; estratégia da revolução brasileira; sociedade "pós-revolucionárias"; impasses teóricos e filosóficos do marxismo; o stalinismo: teoria e prática; o pensamento de Trotsky e os trotskismos atuais - a IV Internacional; as filosofias burguesas contemporâneas; análise das correntes teóricas do movimento socialista, historicamente e na atualidade; anarquismo - socialismo utópico - ecologismo; o problema teórico do Estado no marxismo; o estatuto do indivíduo na filosofia marxista; o problema das relações do marxismo com o Iluminismo e o naturalismo; o dogmatismo e a práxis; a história das Internacionais; etc.);

c) cursos específicos para determinadas entidades sindicais ou profissionais, projetados de conformidade com as solicitações e as carências dos grupos solicitantes;

d) promoções amplas de divulgação do marxismo e propaganda político-ideológica anti-burguesa, em função de temas oportunos ou momentosos que se imponham na conjuntura e possibilitem esse tipo de intervenção.

( 1 ) - Apud: CLAUDIN, Fernando. A crise do movimento comunista. São Paulo, Global, v.1, P.137.

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(Essas são algumas reflexões e sugestões iniciais que encaminho à Comissão encarregada de elaborar um anteprojeto para o Centro. Certamente que o presente texto contém muitas imprecisões e lacunas, tendo em vista, inclusive, o exíguo prazo de 24 horas que me foi solicitado para elaborá-lo. Não obstante, espero que este texto, mesmo escrito às pressas, possa colaborar como incentivo para que seja detonada uma ampla discussão sobre o Centro, coisa que infelizmente ainda não conseguimos patrocinar e que ameaça comprometer o futuro da iniciativa tão oportuna.)

Cordialmente,

Adelmo Genro Filho,

Porto Alegre, maio de 1987.