Referência:
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide - para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre, Tchê, 1987. pp. 69-90. [Ref.: T196]

CAPÍTULO IV

Do funcionalismo à
teoria geral dos sistemas

         A idéia de sistema tem uma longa história nas ciências sociais. Iniciando pela analogia mecânica, a sociologia percorreu modelos cada vez mais complexos, passando por Herbert Spencer (orgânico) e algumas versões funcionalistas mais elaboradas, chegando à analogia cibernética e aquilo que tem sido denominado "Teoria dos Sistemas" ou "Teoria Geral dos Sistemas".1

         Os adeptos dessa teoria advogam que se trata de uma verdadeira revolução nas ciências sociais, à medida que o modelo cibernético implicaria algo novo, derivado diretamente de necessidades técnicas e descobertas científicas que convergem para a idéia de totalidade. Em parte, de fato, cabe-lhes razão. A crescente integração do aparato tecnológico e das determinações econômicas da sociedade contemporânea, cada vez mais articulados e interdependentes, exige que os processos sejam abordados em conjunto, como uma totalidade complexa, e não mais como uma soma de partes relativamente autônomas. De outro lado, as ciências naturais, em especial a Biologia molecular, indicam a necessidade de conceitos e teorias que consigam dar conta das modalidades "cibernéticas" dos fenômenos que vão sendo desvendados.

         No entanto, no plano da filosofia, a idéia de totalidade não é nova e contém uma riqueza de determinações que os "sistemistas" ainda não alcançaram. O significado dessa categoria na dialética hegeliana - e depois no marxismo - ultrapassa largamente o sentido objetivista que lhe é atribuído pela cibernética, embora seja menos preciso e operacionalizável que a moderna idéia de sistema.

         Norbert Wiener foi o primeiro a apontar as implicações mais gerais da cibernética.2 Embora desde a década de trinta a Biologia tenha começado a utilizar o conceito de sistema em seu sentido atual, a partir do desenvolvimento dos computadores é que se constituíram as condições para uma utilização mais ampla dessa categoria e, mesmo, para torná-la mais definida em suas qualidades básicas, tanto funcionais como estruturais. A partir daí, o "sistemismo" poderia iniciar o seu percurso de legitimação filosófica sem, a princípio, declará-lo formalmente, mas apenas pela progressiva expansão de sua aplicabilidade técnica e teórica.

         A partir da década de cinqüenta, as máquinas "deixam de ser destinadas apenas aos cálculos científicos e passam a ser empregadas em toda espécie de tratamento lógico das informações. Os 'calculadores eletrônicos' adotam então e, sobretudo nesses casos, o nome de 'ordenadores' ou, mais vulgarmente, computadores".3 A ciência que se desenvolveu em torno do problema desse processamento, transmissão e armazenamento automático das informações, classificada como um ramo da cibernética, foi denominado de Informática. A Teoria da Informação, voltada para o estudo do comportamento estatístico dos sistemas de comunicação, assume uma generalidade e uma abstração mais elevada, fornecendo também certas premissas teóricas para o que viria a ser, mais tarde, a Teoria Geral dos Sistemas, com sua suposta abrangência universal.

         Norbert Wiener percebeu, com a cibernética, que estava sendo desencadeado um processo de conseqüências previsíveis em termos de automação, mas imprevisíveis em diversos campos da sociedade. De qualquer modo, observou que seus efeitos seriam profundos e definitivos na história humana, tanto na relação dos homens entre si como na relação da sociedade com a natureza. Wiener chegou a observar que os processos de comunicação assumiriam um peso crescente nos padrões de comportamento e no sistema social como um todo.4 Podemos dizer, hoje, que ele não exagerou nas perspectivas apontadas.

         Partindo, tal como fez Wiener, da semelhança (em certos aspectos considerados fundamentais) entre os homens e as máquinas de informação - e tomando as diferenças apenas como graus de complexidade estrutural ou organizacional - a Teoria dos Sistemas propõe categorias de análise que, efetivamente, são mais flexíveis que os modelos anteriormente utilizados pela sociologia de tradição empirista e positivista. Trata-se de uma proposta que possui tanto uma dimensão filosófica (embora não se reconheça explicitamente como filosofia), como uma dimensão metodológica e operatória.

         Nesse sentido, conforme alguns de seus defensores, seria um prolongamento da tradição dialética na busca de uma racionalidade totalizante, mas com um rigor e uma precisão que as dialéticas hegeliana e marxista não teriam conseguido atingir. Essa tese, entretanto, é apenas uma auto-ilusão teórica do "sistemismo", pois a dialética hegeliana-marxista concebe uma teleologia de outra ordem. Considera que os fins da sociedade não decorrem das propriedades universais dos sistemas, mas são produzidos na própria história. No caso de Hegel, como realização e revelação do "Espírito Absoluto" que subjaz à atividade histórica dos homens. Para Marx, como resultado da práxis, através de homens concretos e reais, em consonância com as tendências que nascem da vida material e de sua necessária reprodução.

         O problema central da Teoria dos Sistemas é o "controle" dos fenômenos complexos, considerados multidimensionais, infinitamente variáveis e auto-reguláveis. Trata-se de uma metodologia sustentada por um conjunto de teorias de alcance geral e médio que procura, através de categorias analíticas, dar conta, cientificamente, dos fenômenos referidos. Descobrir os princípios e leis gerais de todos os sistemas, seja qual for sua natureza ou composição especial, constitui sua meta primordial. Nessa busca de identificação de fenômenos e processos tão díspares, a tentativa de produzir modelos matemáticos possui importância decisiva, pois significa um meio efetivo de encontrar a objetividade comum a diversos campos da realidade.

         Há duas noções básicas envolvidas nessa teleologia inerente aos sistemas: a integridade e a funcionalidade. A partir delas, considerando a sociedade humana como um "sistema sócio-cultural", poderíamos, então, extrair certas conseqüências teóricas e práticas no campo da sociologia. A conseqüência teórica mais importante é a redução ontológica efetuada na história e na sociedade, que passam a ser enfocadas como processos exclusivamente objetivos. Estarão presentes, então, as premissas fundamentais da epistemologia positivista e de uma sociologia coerente com a tradição do funcionalismo.

A teoria dos sistemas e a dialética

         Tomemos, inicialmente, a semelhança fundamental entre os homens e as máquinas de informar, apontada por Wiener e reconhecida como pressuposto metodológico pela Teoria dos Sistemas. O paradoxo implícito nessa tese foi indicado por Raymond Ruyer:

         "O paradoxo resulta claro, no entanto, ao compararmos as duas teses enunciadas por N. Wiener. A primeira delas é a de que as máquinas de informação não podem ganhar informação: não há, nunca, mais informação na mensagem que sai de uma máquina do que na mensagem que lhe foi entregue. Praticamente, haverá menos, devido aos efeitos, dificilmente evitáveis que, segundo as leis da termodinâmica, aumentam a entropia, a desorganização, a desinformação. O segundo é a de que os cérebros e os sistemas nervosos são máquinas de informação, sem dúvida mais aperfeiçoadas que as máquinas industrialmente construídas, mas da mesma ordem que aquelas, e que não são dotadas de qualquer propriedade transcendente ou que não possa ser imitada por um mecanismo".5

         O paradoxo é, de fato, evidente: não haveria nunca mais informação à "saída" do cérebro do que à "entrada". Qual seria, portanto, a origem da informação que os homens transmitem entre si, que alimenta o pensamento e que os distingue do restante no mundo natural? Se a informação que permeia as relações humanas, é produzida, exclusivamente, pelo "sistema sócio-cultural" entendido como totalidade, teremos, em conseqüência, a impossibilidade da ação efetiva dos homens sobre a história, já que eles seriam apenas "transmissores" e "portadores" de um sentido absolutamente intangível. O resultado seria a eterna recorrência do conhecimento e da consciência humana como atualização e realização das finalidades de integração e funcionalidade inerentes à objetividade do sistema. Algo comparável à tese de Hegel sobre a relação da atividade dos homens na história com o desenvolvimento do "Espírito" no tempo, mas infinitamente menor em sua grandeza teórica e potencialidades metodológicas no terreno das ciências sociais.

         Não se pretende afirmar, em contrapartida, que cada indivíduo seja o produtor soberano e a origem absoluta da informação. Mas tão somente que os indivíduos - como realidades irredutíveis que são - não podem ser dissolvidos, nem no suposto "Espírito Absoluto" que subjaz à história, nem nas relações sociais em que estão integrados. Muito menos, na dimensão sistêmica na qual eles são funções e partes. Se, do ponto de vista epistemológico, o todo é superior às partes, temos que admitir que, em certo sentido, o todo é tanto superior quanto inferior às partes. Isso quer dizer que a superação nasce de um duplo movimento real e concomitante: do todo para as partes e destas para o todo. Aliás, a própria idéia de totalidade, na acepção da dialética marxista, implica um todo estruturado que se desenvolve e se cria, e não na simples pressuposição holista de que o todo é superior à soma das partes.6 Ora, se o todo se desenvolve e se cria, sendo por isso uma totalidade dialética, isso envolve contradições internas que são as verdadeiras fontes do desenvolvimento e da transformação, o que contraria a idéia de uma antologia meramente funcional das partes em relação ao todo.

         O "sistemismo" se propõe a superar o funcionalismo, à medida que acusa este de privilegiar ou absolutizar a dimensão de complementariedade e funcionalidade do sistema, relegando os conflitos e contradições para o terreno da anomalia ou da patologia. Noutro sentido, o sistemismo se dispõe a substituir a dialética. Não obstante, no pensamento sistêmico existe um limite para o conflito. Isto é, os conflitos existem, mas são sempre superáveis e manejáveis, de forma a não levar à ruptura do sistema. Seria, assim, uma espécie de dialética não antagônica ou, como afirma Pedro Demo, o sistemismo fica apenas com o pé não antagônico da dialética.7

         Portanto, temos já dois aspectos que diferenciam a Teoria dos Sistemas da dialética: a questão das contradições, que ficam reduzidas a conflitos não antagônicos, e o problema do sujeito histórico que, como vimos, fica relegado ao papel de agente do sistema, subordinado essencialmente a ele. "A máquina só pode funcionar, - diz Ruyer - não pode nunca determinar por si mesma a totalidade das regras que aplica e sim apenas uma parte, estritamente prevista no conjunto de suas montagens e não realmente escolhida".

         A Teoria Geral dos Sistemas tem como pressuposto, de fato, uma redução qualitativa do "sistema sócio-cultural" aos sistemas em geral, isto é, às propriedades gerais dos sistemas biológicos ou das máquinas cibernéticas produzidas pelo engenho humano. Contudo, estes últimos são incapazes de se determinar quanto aos seus fins. Os sistemas biológicos são escravos da genética, dos instintos que a expressam e confirmam, e da probabilidade a que são redutíveis. Os sistemas produzidos artificialmente pelos homens não possuem um sentido "enquadrante", como acontece com os indivíduos e a sociedade, mas um sentido "enquadrado" por estes. Ou seja, tanto os sistemas biológicos como os artificiais não se autoproduzem, como totalidades conscientes que, através da história, constróem o seu próprio "sentido". Os sistemas biológicos ou as máquinas de informação apenas se reproduzem como realidades já dotadas previamente - respectivamente pela natureza ou pelos homens - de um sentido que as submete e direciona.

         O "princípio da totalização", tal como é entendido na Teoria dos Sistemas, pretende um enfoque estritamente objetivo, independente do homem como sujeito. Vejamos o que diz Karel Kosik:

         "0 ponto de vista da totalidade concreta nada tem em comum com a totalidade holística, organicista ou neo-romântica, que hipostasia o todo antes das partes e efetua a mitologização do todo. A dialética não pode entender a totalidade como um todo já feito e formalizado, que determina as partes, porquanto à própria determinação da totalidade pertencem a gênese e o desenvolvimento da totalidade, o que, de um ponto de vista metodológico, comporta a indagação de como nasce a totalidade e quais são as fontes internas do seu desenvolvimento e movimento. A totalidade não é um todo já pronto que se recheia com um conteúdo, com as qualidades das partes ou com suas relações; a própria totalidade é que se concretiza e esta concretização não é apenas criação do conteúdo mas também criação do todo". E mais adiante: "A criação da totalidade como estrutura significativa é, portanto, ao mesmo tempo, um processo no qual se cria realmente o conteúdo objetivo e o significado de todos os seus fatores e partes".9

         O "princípio da totalização" que propõe a Teoria dos Sistemas não é o mesmo da dialética, pois elimina o homem como sujeito da história ao invés de confirmá-lo. Ao igualar qualitativamente todas as totalidades (inclusive a sociedade humana) enquanto sistemas, a "totalização", neste caso, aponta para uma compreensão estritamente formal e objetivista da realidade, ficando abolido o próprio sujeito que realiza a totalização pelo pensamento. Se o capitalismo é um sistema integrado e articulado que tende a reproduzir-se à margem de fins humanos conscientemente definidos, nem por isso a história, enquanto totalidade que possui um passado e futuros possíveis, pode ser reduzida ao automatisrno sistêmico desse modo de produção. Voltemos a nos socorrer de Kosik:

         "O homem existe sempre dentro do sistema, e como sua parte integrante é reduzido a alguns aspectos (funções) ou aparências (unilaterais e reificadas) da sua existência. Ao mesmo tempo, o homem está sempre acima do sistema e - como homem - não pode ser reduzido ao sistema".10

         É verdade que o princípio de auto-regulação e orientação-para-fins, que constitui um dos pressupostos da Teoria dos Sistemas, implica a tendência que se manifesta em todos os sistemas e, inclusive, no "sistema sócio-cultural". Entretanto, a generalidade, aqui, esconde uma omissão fundamental. Seria como dizer que a essência do homem é o fato dele ser dotado de vida. Teríamos, então, qualitativamente falando, a conclusão de que os homens diferem das plantas, dos insetos e dos lobos apenas em grau de complexidade biológica. Retornaríamos, desse modo, a uma forma de materialismo primitivo e ingênuo. A auto-regulação na sociedade humana não se esgota em fins que possam ser apreendidos de antemão. Os fins humanos na história não podem ser reduzidos à mera auto-regulação e reprodução do "sistema sócio-cultural".

         Em síntese, a Teoria dos Sistemas dilui a especificidade qualitativa da sociedade humana. A história fica prisioneira de um círculo vicioso: os fins se explicam pelo sistema, que se explica pela auto-regulação, que, tal como um cãozinho que morde o próprio rabo, explica os fins...

         Os pressupostos éticos que podem ser extraídos da Teoria dos Sistemas, à medida que pretende incluir a sociedade e a história, não admitem a perspectiva de rupturas qualitativas radicais. Os critérios antológicos de "integração" e "funcionalidades" não deixam margem para uma crítica ética e política que tenha origem em valores criados historicamente pelas classes sociais e pelos indivíduos. A fronteira entre os aspectos estruturais e funcionais fica dissolvida em parâmetros formais estritamente quantitativos, induzindo a que se pense a revolução nos limites da normalidade evolutiva e cotidiana, sendo esta, então, falsamente elevada ao patamar da mudança qualitativa.

A informação e a dialética da qualidade-quantidade

         O que parece não ter sido percebido pelos defensores da Teoria Geral dos Sistemas, pelo menos em suas conseqüências fundamentais, é a distância entre a natureza histórico-social dos homens (como seres que se autoconstroem) e a natureza propriamente dita. Esta é o ponto de partida e objeto daquela, o que estabelece uma ponte entre ambas, mas um abismo ainda maior. Não se pretende afirmar, com isso, que a realidade humana seja dotada de uma essência que transcende o nosso mundo, mas tão somente que o ser humano é o único sujeito do universo. E se é verdade que ele apresenta essa superioridade ontológica, a generalidade de quaisquer categorias que o homogeneizem em relação ao restante do universo não será capaz de dar conta de sua essência.

         Eis aqui, mais claramente, a limitação teórica da Teoria dos Sistemas quando pretende dar conta, de maneira exaustiva, dos processos biológicos, das simulações cibernéticas e, ao mesmo tempo, da sociedade humana. A Teoria Geral dos Sistemas, portanto, é vítima de sua pretensão descabida. A identidade universal dos sistemas antientrópicos, que é seu pressuposto, esconde a singularidade do processo histórico-social, isto é, o homem como ser que se originou da práxis e caminha sobre ela.

         Por outro lado, a mútua redução entre informação e probabilidade, realizada pela Teoria da Informação, adquire outro sentido no contexto das relações constituídas na práxis humana. Para o homem, um ser que se constrói criticamente, a consciência da probabilidade, sendo um aspecto do ato cognitivo propriamente dito, é apenas um pressuposto do ato prático. O pressuposto da cibernética é a unidade existente entre os sistemas antientrópicos, de um lado, e, de outro, todo o restante do universo dotado de entropia positiva. Desvendando assim, abstratamente, uma contradição sumamente importante, entre uma porção da realidade que, dentro de certos limites, tende para manter e reproduzir sua auto-organização, e o restante do universo que caminha pra a desorganização e o caos. Trata-se, certamente, de uma teoria que abrange aspectos bastante amplos da realidade, retomando uma unidade que foi sendo perdida pela particularização divergente das especialidades científicas. Não há como subestimar a importância e a amplitude das descobertas patrocinadas pela cibernética em todos os campos da ciência e, muito menos, dos avanços técnicos que ela potencializa.

         No entanto, o universo antientrópico não é contínuo, possuindo uma ruptura que, do ponto de vista filosófico, é mais essencial do que sua contradição com o universo em decadência. Trata-se do fenômeno humano que, dotado de consciência, elevou-se acima do mundo físico, da objetividade em geral, não só porque é capaz de pensar esse mundo, mas igualmente de produzi-lo como realidade apropriada, como realidade humana e humanizada.

         Logo, o que explica a realidade não é a "totalidade sistêmica" e sim a "totalidade de concreta" não é a "informação" e sim a "práxis". Essas são as categorias que expressam o axioma teórico fundamental para desvendar o mundo e suas conexões mais gerais. A práxis expressa a síntese mais profunda da relação entre o homem e o universo, na medida em que capta tanto a diversidade como a unidade, de um ângulo ontologicamente superior, ou seja, do ângulo da apropriação crescente do mundo natural pela atividade e o pensamento humanos.11

         Na verdade, a aplicação da Teoria da Informação ao fenômeno da comunicação social e, mais especificamente, ao fenômeno jornalístico12 , pressupõe - de maneira explícita ou não - aceitação das teses da Teoria Geral dos Sistemas. Tal transposição tem, ideologicamente, uma base de classe. Trata-se de uma abordagem que interessa à burguesia como classe dominante que pretende eternizar as relações capitalistas de produção. A finalidade política intrínseca a esse aporte teórico - e em certa medida seu efeito - é a manipulação e o controle, a redução das classes dominadas e dos indivíduos em geral a simples elementos derivados das equações econômicas e políticas do poder, isto é, a máquinas produtivas perfeitamente previsíveis em seus atos.

         Há uma hierarquia de contradições na sociedade, mas os processos se conjugam e alternam sua principalidade definindo conjunturas, abrindo-se, então, diferentes possibilidades para a ação consciente dos sujeitos, os quais nunca são neutralizados completamente pela lógica reprodutiva do sistema enquanto tal. Isso torna o "sistema social" qualitativamente diferente dos modelos cibernéticas e demais sistemas conhecidos, na medida em que se fundem níveis da realidade social numa mesma totalidade histórica tangível aos sujeitos.

         A incompreensão da especificidade do homem como síntese dos diversos níveis de sua existência objetiva e subjetiva, isto é, de sua natureza biológica, antropológica e, sobretudo, histórica (econômica, cultural, política, ideológica e ética) induz a graves distorções teóricas. A tentativa de aplicação da Teoria da Informação para explicar o fenômeno jornalístico é uma delas. Há uma frase muito difundida nos manuais de jornalismo que pode ilustrar, através de uma caricatura, o problema apontado: "Se um cão morde um homem não é notícia, mas se um homem morde um cão então temos uma notícia". Realmente, a probabilidade de que um homem avance a dentadas contra um cão é bem menor, por exemplo, do que a probabilidade de novas violações dos direitos humanos pelo exército salvadorenho. Portanto, a primeira notícia seria mais importante, do ponto de vista jornalístico, do que esta última, na medida em que contém maior quantidade de informação, segundo os critérios matemáticos da Teoria da informação. No entanto, é fácil perceber que a notícia sobre El Salvador tem mais significado e importância, pelo fato de conter mais universalidade e estar ligada às contradições fundamentais de nossa época. Por isso, embora seja um evento de maior probabilidade, o que na Teoria da Informação significa menos informação, será uma notícia qualitativamente superior.

         Na sociedade, nem tudo que representa muita informação em termos matemáticos (eventos de pouca probabilidade), revela-se significativo no processo global das relações sociais. Em se tratando da sociedade, não importa unicamente o aspecto quantitativo da informação para que seja eficaz e significativa. Interessa, antes, que ela esteja vinculada aos processos fundamentais e suas contradições. A dialética entre qualidade e quantidade aparece, aqui, em sua riqueza e amplitude.

         O processo global que serve como critério de qualificação das informações é a própria história, dimensão totalizante do ser e do fazer humanos. Enfim, se um homem qualquer morde um cão qualquer, isso não terá maior significado por ser um fato singular que não contém a necessária universalidade. Não indica uma tendência na evolução ou na transformação da sociedade. É evidente que, se muitos homens começarem a morder os cães, a qualidade de tais notícias será alterada pela quantidade. O mesmo acontecerá, por exemplo, se o presidente dos Estados Unidos tomar essa atitude, embora fosse um caso isolado. Então, se o singular é a matéria-prima do jornalismo, a forma pela qual se cristalizam as informações que ele produz, o critério de valor da notícia vai depender (contraditoriamente) da universalidade que ela expressar. O singular, portanto, é a forma do jornalismo e não o seu conteúdo.13

O jornalismo e a teoria da informação

         A importância da informação jornalística parece estar ligada, essencialmente, não aos fenômenos de baixa probabilidade em geral, como quer a Teoria da Informação, mas a eventos significativos (o que implica a qualidade) situados na faixa de indeterminação do processo social.

         De um modo geral são os acontecimentos previsíveis que fazem notícia, ou seja, os fenômenos que aparecem como possíveis, embora não possam ser determinados de antemão em sua forma e mesmo no seu conteúdo preciso. Porque são esses fatos que, normalmente, estão dentro de um contexto de significação histórica.

         Os fatos cuja determinação pode ser previamente admitida com segurança não constituem, em geral, notícias importantes. Um acontecimento com uma virtual probabilidade de 100% (embora isso, a rigor, seja impossível) não apresenta, em geral, interesse jornalístico. O fato de que o comércio vai funcionar normalmente numa segunda-feira não merece ser noticiado. Embora isso possa ter interesse jornalístico se estivermos em meio a uma greve geral.

         Por outro lado, o grau de probabilidade de um evento envolve uma das variáveis que hierarquizam a importância de uma informação jornalística. Um fato de probabilidade extremamente baixa, mesmo que não ocorra numa hierarquia relevante dos processos sociais, pode transformar-se em algo significativo. O fato de um homem qualquer apresentar, por exemplo, poderes paranormais é, por si mesmo, um fenômeno de real interesse jornalístico. Não se trata de uma mera curiosidade ou simplesmente de um fato insólito para vender jornais, embora, normalmente, seja tratado dessa forma pela imprensa capitalista. Há, ou pode haver, um conteúdo de universalidade latente nas singularidades extremas ou aberrantes. O "insólito", o "sensacionalismo", o "acredite se quiser", que aparecem na imprensa, não indicam que o singular é necessariamente uma feição do real que se presta a mera manipulação, mas, apenas, que ele pode ser manipulado e arrancado de sua relação efetiva com as particularidades e universalidades reais, para funcionar como suporte das configurações propostas pela ideologia dominante. Nesse caso, o singular pode servir para falsear, totalidades, simular contradições inexistentes, esconder outras efetivamente existentes, além de dissimular tendências reais e apontar outras que são falsas.

         Se temos um jogo de futebol entre duas equipes, A e B, sendo que A é reconhecidamente superior e sempre venceu a equipe B com larga vantagem, o resultado mais Importante, jornalisticamente, seria a vitória dá equipe B por 8 x O e não o inverso. A vitória surpreendente da equipe B coloca potencialmente algumas questões que tendem à universalidade, à conexão com outros fenômenos e à mudança de conceitos estabelecidos. Teria havido corrupção? Boicote dos jogadores da equipe A que estavam com os salários atrasados? A equipe B, por algum motivo técnico ainda obscuro, teria se tornado repentinamente mais eficaz? Qual a lógica, desta vez, da sabida falta de lógica do futebol? O que é o futebol, afinal?

         Porém, uma coisa é certa; uma greve geral no país, o suicídio de uma personalidade pública ou a aprovação de uma nova lei sobre a reforma agrária, em geral, serão notícias mais importantes que qualquer resultado (puramente esportivo) do jogo entre as equipes A e B. A prioridade, neste caso, tem sua justificativa na questão da totalidade histórico-social como um todo estruturado, envolvendo uma determinada hierarquia dos seus processos. A natureza da informação jornalística está intimamente ligada aos dois aspectos: 1) a indeterminação real dos processos sociais e naturais; 2) a qualidade e o grau das possibilidades concretas de escolha que se colocam para os homens diante das alternativas nascidas da indeterminação do processo objetivo que eles vão constituindo. A isso pode-se chamar, em sentido filosófico, liberdade.

         O conceito de liberdade, compreendido nessa dimensão teórica, é completamente exterior e alheio ao sistemismo. As distintas possibilidades concretas de totalização da história, que se colocam aos sujeitos, implicam a dimensão qualitativa da informação, o que não ocorre nos sistemas biológicos ou cibernéticos, cujas possibilidades de desenvolvimento não incluem a questão da liberdade.

         O problema fundamental da transposição, para a sociedade, das noções da Teoria da Informação, buscando definir a notícia jornalística pelos critérios matemáticos da probabilidade, é exatamente a natureza singular do "sistema social". O conceito de sistema, como já foi visto, não consegue dar conta da sociedade como totalidade concreta, mas apenas de alguns aspectos de sua manifestação. A idéia de sistema (ver especialmente Buckley) pressupõe finalidades objetivamente consideradas, o que significa um "projeto" plenamente manipulável do ponto de vista externo. Ora, a sociedade não apresenta um desenvolvimento teleológico objetivamente dado. São os homens, através do trabalho, que atribuem aos seus atos uma perspectiva teleológica. Os projetos humanos, individuais ou coletivos, não são determinados pela realidade objetiva, mas apenas condicionados por ela e determinados subjetivamente. A consciência, como "momento separatório", é o lugar da produção relativamente arbitrária das finalidades no interior da práxis coletiva. O conceito de sistema propõe, por conseguinte, a exterioridade na consideração das finalidades, o que é avesso à essência do existir e do fazer-se do homem na história.

Entre a crítica e a manipulação

         Uma das poucas tentativas de discutir o jornalismo, numa perspectiva crítica e anticapitalista, a partir dos conceitos oriundos da cibernética, é o livro de Camilo Taufic, Periodismo y lucha de clases.14 Nas abordagens conservadoras, os conceitos da cibernética coincidem perfeitamente com os objetivos políticos e ideológicos que lhe são subjacentes. Na tentativa de Taufic, porém, a saída encontrada foi um ecletismo mal costurado somado a obviedades políticas e ideológicas.

         Segundo Taufic "se informa para orientar en determinado sentido a las distintas clases y capas de la sociedad, y con el propósito de que esa orientación llegue a expresarse en acciones determinadas".15 (Grifo meu). Aqui ele já atribui à informação um significado meramente "sistêmico", apartado da práxis de autoconstrução humana, a qual envolve a apropriação prática do mundo e o conhecimento como sua apropriação teórica. A informação que circula na sociedade, para o referido autor, é apenas instrumento de orientação e controle. A impossibilidade de realizar uma crítica eficaz e profunda a partir de tais pressupostos coloca, de imediato, Taufic diante da necessidade de se socorrer de outros princípios absolutamente alheios aos da cibernética: "La comunicación dejó de ser comunión desde el momento en que se inició la exploración del trabajo ajeno". E prossegue, mais adiante: "Este desequilíbrio transformó la comunicación en información, en el sentido aristotélico del término, esto es, en "imposición de formas." 16

         Essa distinção parte de um pressuposto metafísico. É forçoso reconhecer que qualquer trânsito de informação entre os homens implica comunicação, pois os indivíduos são duplamente produtores de informação. Primeiro, analiticamente, em sua relação elementar e empírica com o exterior. Depois, a partir das suas relações mediadas pelo universo de significados, ou seja, pelas informações já elaboradas e codificadas, sendo incluídos aqui a linguagem, os conhecimentos acumulados e a totalidade dos significados configurados pela cultura. É evidente que esses dois níveis só podem ser distinguidos sob o ângulo analítico, através da abstração, pois existem interpenetrados e dialeticamente relacionados.

É o próprio, Taufic quem declara seu ecletismo teórico:

         "Al considerar la dirección de los procesos sociales - y sus relaciones con la información - se pone de manifesto la necesidad de combinar el enfoque cibernético abstrato con el análisis del contenido de los fenómenos, puesto que la dirección social tiene carácter político y está relacionada con todos los aspectos de la vida económica y cultural. La cibernética no puede abarcar toda la complejidad de esos procesos; sólo permite evidenciar algunos rasgos generales de la dirección de la vida social, y el papel que le corresponde en ellos el periodismo".17

         O mais grave é que o autor, mesmo reconhecendo "que la dirección social tiene carácter político y está relacionada con todos los aspectos de la vida económica y cultural", acredita que a cibernética pode evidenciar o papel do jornalismo nesse processo. A partir daí, o fenômeno jornalístico passa a ser definido pelas suas tarefas ou, se quisermos, pelas funções que ele cumpre na reprodução e manutenção do sistema. Quer dizer, o jornalismo é definido por aquilo que as classes dominantes fazem dele.

         "Su objetivo es el conocimiento del 'estado del sistema dirigido', para lo qual recolecta y distribuye noticias en todos los ámbitos de la sociedad; luego, permite a la clase dirigente 'elegir la marcha deseable para el proceso en relación con el estado del sistema', y, seguida, hace posible las correcciones, detectando en la base social y en los organismos estatales todo sintoma que indique que 'el proceso marcha indebidamente'. El periodismo es, pues, una forma de dirección política, y su carácter de clase está determinado por el de la organización social".18

         Com essa definição, ficamos, literalmente, numa situação sem saída. O jornalismo torna-se, exclusivamente, uma forma de direção política e perde completamente sua especificidade como modalidade de conhecimento social. Trata-se de uma redução que se origina de pressupostos equivocados. Vejamos o que diz Ilya B. Novik, citado por Taufíc:

         "La categoria fundamental de la cibernética, que estabelece la unidad de los procesos de dirección y comunicación, tiene su fundamento en el concepto de información como reflexo. La dirección es un proceso que ordena objetos materiales: la información está relacionada con el ordenamiento del reflejo, que expresa las leyes que rigen el movimiento de la materia; por conseguinte, es natural que del nexo entre substancia material y reflejo surja la unidad de los procesos de dirección e información".19

         À medida que o "sistema social" é uma totalidade em processo de totalização, ou seja, em processo de autoconstrução, a própria idéia de uma unidade entre substância material e reflexo é problemática. Trata-se de uma conseqüência da tese equivocada de Lênin sobre o conhecimento apenas como "reflexo" da objetividade. Se o conhecimento fosse reflexo do ordenamento material da realidade, a informação seria, efetivamente, apenas o "ordenamiento del reflejo". A conseqüência, na sociedade humana, seria uma perfeita unidade entre os processos de direção e a informação. Entretanto, não é isso o que ocorre. Essa unidade, aliás, só pode ser concebida abstratamente pela cibernética, do ponto de vista da manipulação dos sistemas, pois exige duas condições que, a rigor, são concebíveis apenas abstratamente: a fixidez qualitativa do sistema e, além disso, a subsunção absoluta das partes no todo. Com relação à sociedade, entretanto, essas condições não são sequer concebíveis, à medida que significam a negação da existência histórica da humanidade. Não só a comunicação social é empobrecida, como o jornalismo é integralmente desqualificado e condenado, inexoravelmente, à função manipulatória.

         Assim, a, conclusão política do autor torna-se, na melhor das hipóteses, patética. Ele afirma exatamente o oposto daquilo que permitem as premissas teóricas que desenvolveu:

         "Mientras el periodismo burgués, quiere establecer 'el control social' y la 'regulación social' a través de la información, utilizando qualquier medio para lograrlo, la prensa socialista - en cambio está concebida como ‘un medio de educacion y cohesión de las clases realmente avanzadas', pues 'cuando las masas lo conocen todo, pueden juzgar de todo y se resueven concientemento a todo' (Lenin), sin que nadie pueda manipularlas como a una máquina sin voluntad ni conciencia".20

         Ora, se o jornalismo é apenas uma forma de direção política, não é necessário que as massas conheçam tudo e, então, decidam conscientemente sobre todas as questões. É preciso, tão somente, que elas saibam aquilo que necessitam para sua ação imediata. A verdade, em última análise, estará subordinada ao critério da eficácia e da oportunidade, segundo o julgamento dos dirigentes ou do Estado.

         Noutros termos, o problema da verdade recebe uma solução essencialmente pragmáticas, enquanto as questões éticas perdem sua relativa autonomia para se tornarem caudatárias de necessidades políticas e ideológicas imediatistas. Os fins, definidos abstratamente num horizonte puramente ideológico, passam a justificar quaisquer meios que sejam úteis ao "dirigismo" político-ideológico da sociedade. Sem dúvida, Stálin teria endossado plenamente o uso dos conceitos cibernéticos para análise do jornalismo e da comunicação social.21

         É fácil perceber que, a partir de tais premissas, a discussão sobre o conteúdo das informações deixa de ter importância: a circulação das informações jornalísticas, num Estado socialista, deverá ser condicionada estritamente às finalidades políticas de direção e aos possíveis efeitos que possam acarretar. De acordo com esse enfoque, esconder a verdade, distorcer os fatos, divulgar falsidades e calúnias - desde que isso corresponda às necessidades de direção do "sistema social" no suposto interesse das classes revolucionárias - podem tornar-se alternativas tão aceitáveis quanto quaisquer outras.

         É claro que a negação dessa abordagem cibernética da informação, não pode levar a uma visão idealista da "comunicação pela comunicação", do "jornalismo objetivo, imparcial ou neutro", da produção e circulação das informações na sociedade como um processo acima dos interesses e da luta de classes. A ideologia é sempre, em cada sociedade determinada, um conteúdo que atravessa todas as criações da cultura: concepções científicas, filosóficas, estéticas, jurídicas, religiosas, políticas, éticas, além de manifestar-se no senso comum, nas obras de arte, nas leis, na moral, no jornalismo, etc. Esse conteúdo ideológico é contraditório e representa, em suas polarizações extremas, os interesses das classes antagônicas. O que se quer dizer, é que comunicação, o jornalismo ou as informações não podem ser julgadas a partir de pressupostos que eliminem o problema da verdade, ou seja, apenas em termos de "controle e organização" do "sistema social".

         Em síntese, como já foi apontado, a idéia de autoconstrução não pode ser substituída pela de sistema, a idéia de práxis não pode ser abandonada pela de informação e, muito menos, a idéia do homem como sujeito pela idéia do homem como parte de um sistema, passível de controle e manipulação absolutos.

         Em alguns aspectos - como veremos no capítulo seguinte - a abordagem cibernética coincide com a tradição da "Escola de Frankfurt". A comunicação de massa é definida, exclusivamente, em termos de manipulação. O jornalismo, por seu turno, é entendido como a forma de comunicação mais dinâmica e determinante no contexto da comunicação de massa. A tese da manipulação recebe, inclusive, uma base mais precisa, puramente matemática, o que é, aliás, um empobrecimento radical das teses sociológicas de Adorno e Horkheimer. Além disso, a discussão da comunicação e da cultura em termos de análise abstrata do "emissor-receptor" constitui, também, uma limitação comum à "Escola de Frankfurt".

         "La comunicación de masas se caracteriza por tener una muy alta salida y una muy baja entrada, es decir, que emite mensajes en una magnitud drásticamente superior a la de los que recibe".22 Essa conceituação ingênua conduz, inevitavelmente, a uma comparação com a comunicação interpessoal (em que a retroalimentação em geral é bastante alta), em favor dessa última.

         Ora, a questão fundamental, que está no cerne da hegemonia cultural e ideológica das classes dominantes, não é a retroalimentação em termos cibernéticos, isto é, a questão do retorno alto ou baixo, mas da qualidade da informação produzida pelos meios de comunicação de massa e, ao mesmo tempo, a qualidade da relação do "emissor" com o "receptor", ou seja, dos meios com as massas, através de seus órgãos de poder político e de suas fontes de criação cultural. Os meios de comunicação modernos, a TV, o rádio, o cinema, a imprensa em geral, os jornais, etc. são formas centralizadas de emissão de informações e produção cultural. Sempre terão uma "saída" incomparavelmente maior do que a "entrada". Caso contrário, eles perderiam exatamente a vantagem que possuem em relação aos meios artesanais de comunicação. Não é isso que os torna antidemocráticos ou instrumentos de controle e manipulação a serviço das classes dominantes. O domínio da linguagem, o controle da escrita, o monopólio da técnica de oratória e outras tantas prerrogativas das classes dominantes sempre foram, igualmente, instrumentos de persuasão, controle e opressão.

         A questão essencial é o domínio político dos meios de comunicação pelas organizações das massas revolucionárias, como condição para que a qualidade das informações produzidas pelos centros emissores, em termos políticos, ideológicos e culturais sejam coincidentes com determinadas metas históricas definidas coletivamente. Não se trata, neste caso, de objeticos específicos, táticos ou mesmo estratégicos - que podem constituir aspectos do problema -, mas de objetivos históricos, definidos em termos de possibilidades concretas e valores revolucionários e humanistas.

         Tais metas, colocadas nos termos da práxis, aparecem como finalidades que se constituem internamente ao processo histórico, pela atividade política das classes revolucionárias e dos indivíduos que assumem suas lutas e perspectivas.

         Enfim, os meios de comunicação de massa podem produzir, em termos quantitativos e qualitativos, um universo cultural e informativo superior àquele elaborado de modo natural, espontâneo e artesanal. Não obstante, esse processo precisa ser qualificado conscientemente, como ação das instâncias políticas e técnicas, sob hegemonia da ideologia revolucionária e articuladas dialeticamente com os interesses e consciência das massas. Através dos modernos meios de comunicação radicaliza-se a possibilidade das transformações na consciência e na cultura. Portanto, aumenta a possibilidade do sujeito coletivo agir diretamente sobre si mesmo, a partir de suas diferenças internas, contradições e potencialidades daí decorrentes.

         Em última análise, as possibilidades de manipulação, proporcionadas pelos meios de comunicação de massa, são tão significativas quanto as potencialidades de desalienação e de autoconstrução consciente se tais meios forem pensados numa perspectiva revolucionária e efetivamente socialista.

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