Referência:
E Wladimir Pomar subiu ao alto da montanha. Mostrou os vales tranqüilos onde cresciam, róseos, os frutos ambíguos do "socialismo do dia a dia", mostrou os rios imprecisos das ideologias confluindo para o mar das instituições burguesas, apontou para as florestas indefinidas "de todas as correntes que almejam transformar a sociedade brasileira"1 - exceto as organizações marxistas-leninistas, as quais haviam sido expulsas da paisagem - e disse, solenemente e com a voz embargada pela emoção de pecador arrependido, aos militantes petistas: "Se me seguires, e adorares o socialismo legalista, do qual sou o representante mais autorizado, um dia tudo isso será vosso!" RECAPTULANDO O DEBATE O socialismo legalista, do qual o ex-comunista Wladimir Pomar tem sido um dos mais dedicados pregadores, apesar das sinuosidades com que tem sido formulado, vai expondo cada vez mais nitidamente suas teses centrais. Vai revelando, de modo subjacente, seus princípios e pressupostos, ao mesmo tempo que expõe os aspectos estratégicos que defende na luta pelo socialismo e que estão implícitos em suas propostas táticas e orgânicas. Seu primeiro texto (Algumas considerações sobre as tendências organizadas no PT)2 subscrito também por José Dirceu, abordava principalmente a estrutura da sociedade brasileira e algumas questões táticas. Com base em supostas novidades sobre nossa formação social, Pomar extraía conclusões e criticava como "dogmáticas" e "sectárias" todas as organizações clandestinas formadas por marxistas-leninistas. Ao mesmo tempo, sugeria que sua análise estava alicerçada numa interpretação não-dogmática do marxismo-leninismo, que levava em conta as novas condições históricas e a especificidade da luta de classes em nosso país. Em minha resposta (Contra o "socialismo legalista")3, procurei demonstrar que o primeiro documento de Wladimir Pomar não era marxista, nem leninista e tampouco socialista de fato (além disso, que as "novidades" sobre a modernização da sociedade brasileira já eram antigas para a esquerda revolucionária) especialmente por três razões: "1. A tática que ele propõe para o movimento operário e popular é nitidamente reformista. 2. Sua estratégia de conquista do socialismo não discute o confronto inevitável com o Estado burguês e as formas políticas de preparar-se para ele, a fim de que as forças operário-populares possam ter uma possibilidade efetiva de vitória. 3. Faz a crítica do que ele chama de "grupos organizados dentro do PT" ou de "seitas", a partir de uma ótica legalista, propondo a sua diluição dentro do Partido dos Trabalhadores."4 Indiquei que, sob a aparência de uma postura anti-sectária, se ocultava uma posição reformista e crédula nas instituições burguesas. Argumentei que sob o manto do antidogmatismo havia uma postura antiteoricista, pragmática e vulgar. Analisei mais ou menos detidamente suas principais teses, apontando que as alegadas premissas sobre a modernização e integração internacional do capitalismo brasileiro estavam - ao contrário do que ele insinuava - perfeitamente assimiladas pelas organizações cujo anacronismo ele pretendia denunciar. Penso ter demonstrado, com suficiente clareza, que unindo todos esses pontos encontramos um diagrama revelador do socialismo defendido por Wladimir Pomar: o abandono da idéia da revolução e, em conseqüência, do próprio marxismo enquanto concepção revolucionária. EVITANDO DEFINIÇÕES No seu último texto5, Pomar retoma o debate com a mesma sinuosidade que caracterizou seu artigo anterior, evitando definições diretas e posicionamentos explícitos sobre as questões de fundo, sem enfrentar sequer as críticas que formulei em torno dos pontos 1 e 2 da minha resposta, que eram centrais em seu texto. Ele procura limitar a discussão ao ponto 3, ou seja, à questão das correntes organizadas que atuam dentro do PT. De minha parte, abordarei mais detalhadamente essa questão, igualmente essencial para a revolução brasileira. A omissão do último texto de Pomar, sobre os aspectos estratégicos e táticos que ele mesmo havia colocado no centro do palco, não é casual. Ele não quer aprofundar o debate, mas realizar objetivos bem definidos. Sua tática reformista, cujos contornos aparecem nitidamente quando visualisada no seu contexto, isto é, no interior de uma estratégia que não considera o "confronto inevitável com o Estado burguês e as formas políticas de preparar-se para ele", é o pressuposto indispensável do seu ataque às organizações clandestinas. Mas Pomar não pode, pelo menos por enquanto, revelar o seu "segredo de polichinelo" (que ele abandonou suas intenções revolucionárias), sob pena de perder, definitivamente, a possibilidade de ser apoiado por segmentos de esquerda que ainda pretende confundir e cativar. Por isso, diante das críticas e mesmo dos apelos, negou-se a esclarecer de maneira franca e aberta sua estratégia para a tomada do poder pelos trabalhadores. Faz apenas algumas ironias colaterais, certamente para sugerir que, mesmo em dificuldades, ainda mantém uma postura elegante. E conclui antes de entrar no assunto: "Assim, teremos que voltar a tais temas."6 Não creio que o faça, pois um dos aspectos fundamentais do "socialismo legalista" que Pomar defende é a omissão sobre os problemas concretos da revolução e do poder. Falar sobre isso, para ele, é constrangedor, já que contraria a premissa legalista que está na base tanto do reformismo envergonhado quanto da sinuosidade dos argumentos usados para defendê-lo. Pomar só se sente à vontade estigmatizando as organizações ilegais e clandestinas como níveis de ação política, alegando que se opõem destrutivamente do PT e, portanto, devem dissolver-se ou serão excluídas do partido. O socialismo legalista não é uma abstração ou um rótulo vazio, mas uma proposta política que vai recebendo retoques e adquirindo sistematicidade teórico-ideológica. Para combatê-lo, é preciso indicar a ruptura ideológica que essa proposta estabelece com a tradição revolucionária do proletariado, notadamente com os aspectos universais da práxis leninista; é preciso denunciar suas omissões ou silêncios sobre questões de princípio que são fundamentais à postura revolucionária. Neste segundo texto de Pomar, a definição mais clara envolvendo uma questão de princípio fica pendente de um verbo no condicional: "De nossa parte, interpretando o leninismo de forma completamente diferente da de Adelmo e do PRC também poderíamos (o grifo é meu) expressar o desejo de que o PT se transformasse num partido de tipo leninista. Mas isso não acrescentaria uma vírgula sequer ao esclarecimento dos problemas reais que temos pela frente."7 Mesmo Bernstein, o mestre do reformismo da II Internacional, jamais manifestou um pragmatismo tão rasteiro. Ele dizia que, na luta de classes, os objetivos políticos de largo alcance (ligados à conquista do socialismo) não interessavam, mas tão somente o "movimento" e as reivindicações imediatas do proletariado. Porém, não deixava de declarar quais eram seus objetivos (no caso, a conquista do socialismo pela via das reformas e da ampliação crescente da democracia liberal), embora resultassem em metas puramente discursivas e quiméricas. Pomar se nega, inclusive, a declarar teoricamente quais seus objetivos em relação ao PT. Aquilo que seria uma definição de princípios, uma explicitação de objetivos que poderia oferecer um horizonte racional à discussão, acaba dependurado na covardia teórica de um verbo no condicional. Ele poderia (?) expressar o desejo que o PT se transformasse num partido de tipo leninista. Mas não expressa. Não diz se é esse o projeto que defende para o PT ou se é outro. Se dissesse, o debate poderia ser, evidentemente, muito mais fecundo. Se, de fato, acalentar secretamente essa pretensão, terá de explicar como isso se articula com suas investidas contra as organizações marxistas-leninistas, em nome de uma unidade absoluta (de princípios) dentro de um partido amplo, cuja heterogeneidade filosófica e teórica é notória. Ao contrário do que afirma, sua franqueza nesse ponto acrescentaria "muitas virgulas" fundamentais à discussão. No entanto, Pomar alega que não vale a pena perder tempo "para chegar a um acordo sobre o que é o leninismo e quem é leninista"8 . Sem dúvida, ele deve estar envolvido em ocupações transcendentais para considerar que uma discussão sobre o conteúdo do leninismo, cuja gênese é um dos momentos mais importantes da história humana e, particularmente, da experiência política do proletariado, significa apenas "perder um tempo enorme"9 . O CONCRETO E O ABSTRATO Wladimir Pomar quer evitar as discussões conceituais e definir logo o "caráter concreto do partido"10 . Ora, quando as pessoas estão em desacordo sobre a realidade e as possibilidades do mundo, sobre o "caráter concreto" dos fenômenos, essa divergência se manifesta em contradições conceituais, já que os conceitos são os nossos instrumentos de apropriação subjetiva da realidade. Não poderia ser diferente. Quando estamos de pleno acordo sobre os conceitos fundamentais em torno de um tema, isso quer dizer que a discussão está quase no fim ou já terminou. Se concordássemos sobre "o que é o leninismo e quem é leninista", o debate passaria a outro plano e poderíamos, então, definir o "caráter concreto" que estamos propondo para o PT. O problema é que Pomar se recusa não só a debater seriamente os conceitos fundamentais, pois considera isso uma perda de tempo, como também a esclarecer qual o seu projeto quanto à natureza orgânica, teórica e política do PT - e como esse projeto se articula com a revolução brasileira. A rigor, também é difícil chegar a um acordo sobre o que o marxismo e, inclusive, sobre o conceito preciso de socialismo ou de comunismo. Será que, a partir dessa flagrante dificuldade, poderíamos deixar de lado tais questões e, para não perder tempo, passar de imediato aos problemas "concretos" da sociedade que queremos construir? Podemos discutir a luta pela conquista do socialismo do Brasil sem enfrentar, ao mesmo tempo, o problema dos diferentes conceitos de socialismo? O que significam "socialismo moreno", "socialismo cristão", "socialismo democrático", "socialismo marxista" e com qual deles no alinhamos? Naturalmente, o aspecto prático ou imediato da discussão implica o aspecto teórico, abstrato, conceitual. A recíproca também é verdadeira. Mesmo as filosofias mais metafísicas possuem incidência prática e finalidades mais ou menos definidas. Só mesmo o "senso comum" possuído da mais radical vocação pragmática, avesso ao conhecimento acumulado, e preconceituoso em relação à teoria, pode pensar que se trata de perda de tempo discutir conceitos fundamentais que informaram historicamente a ação política do proletariado revolucionário. A postura pragmática e antiteoricista demonstrada por Pomar sempre foi, desde a época de Marx e Engels, um dos maiores obstáculos ao avanço da causa socialista. A apologia da "prática política" - feita em oposição à abordagem teórica - é uma tradição legítima do fascismo e não do marxismo ou do socialismo. No movimento operário, as posturas praticistas ou pragmáticas sempre foram um biombo do reformismo e do oportunismo. O concreto não é aquilo que está a dois palmos do nosso nariz, imediatamente visível aos olhos e sensível ao tato. O concreto, Marx já o demonstrou, é uma síntese da realidade em seu processo. Quer dizer, é uma síntese das diferentes formas, aspectos e características que o fenômeno apresenta ao longo de seu desenvolvimento e, ainda, suas possibilidades de desdobramento em direção ao futuro. Portanto, envolve a gênese e a história de um fenômeno que, enquanto realidade concreta, só pode ser apreendido pela mediação da teoria, pois só a teoria é capaz de situá-lo na totalidade (histórica) da qual se distinguiu e na qual ainda se desenvolve. Aquilo que aparece ao "senso comum" como algo isolado ou isolável é apenas o fenômeno, a aparência, e não o fundamento ou a essência. Noutras palavras, os problemas empíricos não são ainda os problemas concretos. É por isso que o "caráter concreto" do PT ou de qualquer outro fenômeno não pode ser abordado exceto teoricamente, ou seja, não pode ser definido a partir de pequenas "receitas práticas". Assim, pretender que "muito mais útil para o debate é definir o caráter concreto do partido"11 , colocando isso em oposição à discussão sobre o leninismo - não importa, aqui, se contra ou a favor -, como se esta fosse uma discussão desnecessária, dogmática por si mesma, é uma vulgaridade que só pode ser fruto da mais absoluta cegueira intelectual ou da intenção consciente de manipular as bases do PT. Na verdade, a discussão "concreta" proposta por Wladimir Pomar é a mais abstrata e enganosa de todas. PEQUENOS ILUSIONISMOS Vejamos mais especificamente como ele situa o problema, referindo-se (em termos de concordância) às posições de Raul Pont: "Ele quer um partido de massas e um partido militante e acha fundamental estabelecer critérios cada vez mais claros de funcionamento orgânico. E não estabelece nenhuma contradição antagônica entre esse caráter e a possibilidade do PT tornar-se o instrumento de transformação revolucionária da sociedade."12 Se tomarmos o conceito de "partido de massas" conforme o "senso comum", o Partido Bolchevique, o Partido Socialista espanhol e o PMDB poderão ser enquadrados nessa classificação. Todos, de uma forma ou de outra, envolveram massas de milhões. O problema é que essa caracterização ("partido de massas"), se quer dizer mais do que o óbvio, teria de referir-se ao seu oposto no plano da teoria política: o "partido de vanguarda" delineado por Lênin. Só no contexto dessa contraposição - que Pomar procura desviar de todas as maneiras -, a definição de "partido de massas" poderia elevar-se do plano empírico e contribuir para a compreensão das posições em jogo. Outro caminho seria demonstrar que não existe - no plano teórico - tal contraposição, isto é, que Lênin jamais significou uma ruptura organizativa na história do movimento operário e socialista. Seria preciso, ainda, sustentar que o Partido Bolchevique, em que pese todos os embates político-organizativos que foi obrigado a travar, era um partido apenas "mais centralizado" que os demais, sem qualquer diferença qualitativa ao nível orgânico. O conceito de "partido militante" encerra os mesmos impasses teóricos e idênticas ambigüidades políticas. O que é um "partido militante" ou um partido constituído por "militantes conscientes"? O que é realmente a "militância" e quem pode ser chamado de militante do partido? É possível, na perspectiva revolucionária e socialista, discutir essa questão sem referir-se ao acúmulo teórico produzido pelas discussões precedentes? Sem referir-se ao Que fazer ?, aos debates ásperos e esclarecedores ocorridos no II Congresso do POSDR e ao livro que Lênin escreveu sobre eles (Um passo adiante, dois passos atrás), onde analisa as diversas posições e aprofunda suas próprias concepções sobre organização? Isso, sem falar numa série de outras contribuições, como as de Rosa Luxemburgo e Lukács, que trataram dos problemas da organização do proletariado na luta pela revolução. Quanto à proposta de "estabelecer critérios cada vez mais claros de funcionamento orgânico", trata-se também de mera generalidade. A questão é definir quais serão esses critérios e, outra vez, teremos que situar o debate num contexto teórico. O que é o centralismo democrático defendido por Lênin ? Como ele se diferencia do "democratismo liberal", do "basismo" ou de outras formas possíveis de organização po1ítica? De que modo e por que o "centralismo democrático" se transformou em "centralismo burocrático" a partir de Stalin? Quais as formas democráticas, não burocráticas nem liberais, mais adequadas a um "partido de massas" como o PT? Poderia o centralismo democrático ser implantado gradualmente, à medida que se desenvolve a "prática política" do Partido dos Trabalhadores? Ele seria viável num "partido de massas" e, além disso, organizado no plano institucional? O centralismo democrático delineado por Lênin pode ser instaurado a partir de uma progressiva unidade política alcançada na prática ou, ao contrário, pressupõe uma unidade filosófica e teórica que deverá subsidiar aquela unidade política? Esses são os problemas de fundo que Wladimir Pomar deveria enfrentar, mas não o faz. Seus pequenos ilusionismos, típicos dos mágicos de segunda categoria, exigem da parte mais atenta ou intelectualmente desenvolvida da platéia que a aplaude uma certa benevolência. No caso do mágico, em função de uma caridosa solidariedade. No caso dos truques de Wladimir Pomar, certamente em virtude da solidariedade ideológica. No entanto, para os segmentos mais avançados do movimento operário e popular ou militantes do PT, a lógica primária usada por Pomar denuncia a truculência dos seus argumentos. Após tantas categorias indefinidas, depois de tantas propostas ambíguas, não é de se estranhar que a conclusão seja igualmente vaga e genérica. Ele afirma, secundando Raul Pont, que "não há nenhuma contradição antagônica entre esse caráter (de partido militante e de massas - A.G.F.) e a possibilidade do PT tornar-se o instrumento de transformação revolucionária da sociedade"(13) . De fato, não há contradição antagônica, pois generalidades não podem ser antagônicas pelo simples motivo de que elas não se confrontam concretamente na realidade. A contradição entre duas idéias universais, quando existe, fica apenas no plano lógico-formal. A contradição efetiva e, portanto, o antagonismo, só pode realizar-se no terreno particular, ou seja, quando as idéias se especificam e se tornam concretas. Em conseqüência, para assumir uma posição revolucionária não basta proclamar generalidades que não sejam antagônicas à idéia da revolução. A rigor, como já o indicamos, nenhuma generalidade é efetivamente antagônica à idéia genérica da revolução. É necessário proclamar princípios, formular idéias e conceitos particulares que sejam efetivamente revolucionários. Em síntese, para ser um revolucionário não basta apenas não ser um contra-revolucionário. As idéias ou teses revolucionárias, além de não serem antagônicas à revolução, devem demonstrar sua viabilidade para a construção do processo real a que se referem. Ao defendermos algumas teses que, genericamente, não sejam antagônicas à possibilidade do PT se transformar num instrumento da revolução, significa que essa possibilidade vai-se realizar por si mesma, independente do conteúdo particular de nossa posição política e teórica? A resposta, sem dúvida, é inapelavelmente negativa. O futuro do PT, o papel que haverá de cumprir na luta de classes em nosso país, depende das definições e posicionamentos precisos dos indivíduos, correntes e organizações que atuam como sujeitos políticos dentro dele. A tática de camaleão de Wladimir Pomar, no plano nos princípios, se esconde atrás de verbos no condicional e, no terreno teórico, se refugia em generalidades. Sua tentativa de escamotear o antagonismo do projeto socialista com a ordem legal burguesa, à medida que procura tergiversar sobre a necessidade incontornável do confronto revolucionário - pois esse problema não comparece em sua visão estratégica ou no seu plano de construção orgânica -, tudo isso impede que ele consiga esboçar uma alternativa conseqüente para a conquista do socialismo no Brasil. Na melhor das hipóteses, Pomar consegue sensibilizar aqueles que, por preconceito, são avessos à teoria e consideram qualquer esforço nesse sentido uma atividade maçante e improdutiva. Não obstante, a concepção de Pomar tem uma unidade subjacente que revela o verdadeiro conteúdo do seu projeto político. Essa unidade é dada exatamente pelo "legalismo" que percorre toda a proposta de socialismo que ele defende. Em última análise, o socialismo legalista é a forma específica que vai adquirindo o projeto social-democrata dentro do PT. No caso do Partido dos Trabalhadores, a configuração da social-democracia não surge como degeneração ideológica e política de um partido originalmente revolucionário e marxista - como aconteceu na Europa - que progressivamente vai recebendo uma sistematização teórica conveniente, uma determinada "revisão" reformista e oportunista do próprio marxismo. Surge através de uma incipiente teorização semimarxista (eivada de pragmatismo) que procura impedir que um partido de massas, nascido espontaneamente do movimento operário e popular, ultrapasse os limites do reformismo e transgrida as fronteiras da legalidade burguesa. Por isso é tão essencial para Wladimir Pomar centrar seu ataque na "vertente" marxista-leninista do PT, buscando, por diversos meios, mobilizar todas as forças possíveis contra as "correntes organizadas", isto é, os partidos clandestinos da esquerda revolucionária. De outra parte, não manifesta nenhuma preocupação teórica ou política com a possibilidade do PT tornar-se um partido social-democrata. Aliás, essa é a concepção decorrente do seu pragmatismo. Não é difícil perceber a funcionalidade e a eficácia dessa estratégia de "construção" do PT como partido social-democrata, isto é, comprometido em não confrontar a dominação e a legalidade burguesa. Não se iludam os operários e militantes em geral: essa campanha não é contra determinadas organizações de esquerda, em virtude do suposto dogmatismo ou sectarismo, mas contra toda e qualquer forma de organização política clandestina ou ilegal, estruturada em termos leninistas. Trata-se de uma campanha em defesa de uma estratégia para a conquista do socialismo, submetida integralmente à legalidade burguesa. A força dessa campanha em defesa do socialismo legalista está naturalmente vinculada ao "senso comum" das massas, ao espontaneismo decorrente da hegemonia ideológica da burguesia sobre o conjunto da sociedade. Portanto, os preconceitos mobilizados nessa campanha "legalista" se articulam e se superpõem às tendências naturais da ideologia burguesa que - seja em sua versão pequeno-burguesa ou sindicalista-economicista - é dominante também no interior do movimento operário e popular. AS VERTENTES DO "LEGALISMO" O stalinismo arrancou os conceitos leninianos do jogo vivo das polêmicas, nas quais tinham, não poucas vezes, um sentido meramente adjetivo, transformando-os em sizudos conceitos pseudofilosóficos que - no contexto da repressão e do terror - passaram a pesar como sentenças de condenação. Desse modo, "revisionismo", "idealismo", "hegelianismo", "trotskismo", "bukarinismo", etc., tornaram-se acusações que, se partiam de Stalin ou de seus representantes autorizados, podiam encerrar rápida e tragicamente qualquer debate promissor. Entretanto, o esforço para tipificar é uma exigência inerente ao pensamento. O que são os conceitos que se abrigam sob as palavras senão "tipos" que procuram captar, pela abstração, a concretude do particular, ou seja, aquilo que há de universalidade no singular? Nesse sentido, vale insistir que socialismo legalista não é apenas um rótulo, mas uma noção que pretende indicar, substantivamente, uma proposta política que apresenta um conteúdo de universalidade e de singularidade. Noutros termos, uma proposta que tem uma inserção histórica, uma gênese, que identifica antecedentes aos quais esse conteúdo deve ser remetido para que sua universalidade seja compreendida. Por outro lado, o fenômeno possui especificidades que não podem ser dissolvidas em categorias pré-existentes. Isso significa que a concepção do socialismo legalista - que se apresenta como a forma de sistematização e o instrumento de implantação da proposta social-democrata no interior do PT, - manifesta características particulares que decorrem das condições histórico-sociais da sociedade brasileira. Além disso, que seja um ex-comunista, oriundo das hostes mais dogmáticas da esquerda brasileira, o primeiro formulador dessa "via cor-de-rosa para o socialismo", não é apenas o símbolo de uma tragédia que se abate sobre os comunistas brasileiros - os quais têm oscilado entre o sectarismo e o reformismo -, mas também uma ironia sobre a degeneração da III Internacional. Recapitulemos alguns antecedentes históricos para ilustrar a gênese das propostas legalistas de conquista do socialismo. A idéia da transição pacífica remonta ao socialistas utópicos. Robert Owen, por exemplo, acreditava que as próprias classes dominantes - através da educação universal - criariam as condições para solucionar as graves contradições do capitalismo: "Esperemos com confiança - disse ele - que dentro em breve atinjamos o período em que o homem não inflingirá mais, como tem inflingido (por ignorância), sofrimento desnecessário ao seu semelhante; porque a massa da humanidade se tornará esclarecida, e discernirá claramente que assim agindo inevitavelmente atrairia a miséria sobre ela mesma."14 E já se passou um século e meio desde que Owen ofereceu este crédito de confiança à sociedade burguesa e à razão que ela diz cultuar. Os marxistas legais, que surgiram na Rússia na última década do século XIX - assim chamados porque se expressavam apenas em publicações legais -, não eram tão ingênuos quanto os socialistas utópicos. Ao contrário, eram realistas demais. A partir do instrumental teórico do marxismo, reconheciam os interesses de classe da burguesia e a natureza exploradora do capitalismo. Mas identificavam tais interesses com a necessidade de progresso econômico e social da Rússia. Por isso, os marxistas legais combatiam os populistas do ponto de vista do liberalismo burguês e não da ideologia proletária. Sua contradição mais evidente com o marxismo revolucionário era, exatamente, o problema da revolução. Ao invés de luta revolucionária do proletariado contra o capitalismo, louvavam o desenvolvimento econômico e a conseqüente superação do atraso cultural da Rússia que seriam produzidos pela dominação burguesa. Depois de um período de aliança tática com os marxistas legais para combater o populismo (que não reconhecia o fato de que o capitalismo já era dominante na Rússia e se propunham evitá-lo com base na pequena economia camponesa), Lênin definiu o marxismo legal como um reflexo do marxismo no interior de um movimento cultural ideologicamente burguês. Não obstante, a relação de parentesco mais próxima do atual socialismo legalista é, evidentemente, com a degeneração da II Associação Internacional dos Trabalhadores. Tal como Wladimir Pomar, embora de maneira mais aberta e franca, Kautsky, que era sua liderança mais eminente, deslocou a questão da revolução para uma órbita indefinida da história. Afastou-a das preocupações do movimento socialista e do partido alemão naquele momento, defendendo que era preciso substituir as preocupações estratégicas e táticas em torno da conquista revolucionária do socialismo pela solução dos problemas reais do movimento. Mas Kautsky não era um pigmeu em termos teóricos e tratou de formular abertamente seus princípios e suas teses, embora procurando manter uma fidelidade puramente formal com as premissas marxistas clássicas. Em 1893 ele declarava: "Sabemos que os nossos objetivos só podem ser alcançados pela revolução; mas também sabemos que não está em nosso poder fazer essa revolução, nem no de nossos adversários impedi-la. Por isso, não nos preocupemos como prepará-la, nem como encaminhá-la." A tentativa de Pomar é mais prosaica. Ele quer convencer os militantes socialistas de que ainda acredita na revolução e na necessidade de prepará-la, mas que agora ele está muito ocupado com os problemas reais e não pode perder tempo discutindo aquelas questões teóricas e estratégicas que constituem a única forma de abordar concretamente uma revolução que não é uma realidade imediata. Antes de tudo, ele quer construir um PT democrático e centralizado, um "verdadeiro partido" (não se sabe se leninista), não interessando, no momento, seus pressupostos teórico-filosóficos, sua ideologia, a estratégia de tomada do poder e a forma de implementar o seu programa. Depois, oportunamente, ele vai tratar desses detalhes. Podemos imaginar, talvez, que instaurados plenamente a democracia e o centralismo, Pomar tentará ganhar a maioria do partido para uma estratégia revolucionária, depois para o marxismo e, finalmente, para uma concepção leninista de organização. Pelo menos, esse é um percurso que, segundo sua própria insinuação, ele "poderia" desejar para o PT. Mas ficamos no terreno das suposições, já que ele próprio não se define. O "TEÓRICO" CONFIÁVEL O que é bastante palpável é que - neste momento - ele aparece como um teórico confiável aos setores da direita do PT, à medida que está prestando um relevante serviço de combate à esquerda revolucionária. Certamente, o fato de já ter sido - bem ou mal - um revolucionário, empresta-lhe uma credibilidade ímpar em sua campanha legalista. Além disso, para os setores da direita do Partido dos Trabalhadores, à medida que ele vem travando uma luta sem tréguas contra os comunistas organizados, Pomar é (inocente ou não) extremamente útil. Esse ex-comunista - raciocinam os segmentos mais conservadores e legalistas do PT - está fazendo para nós o serviço que teríamos constrangimento em realizar ou não saberíamos fazer com tanta eficácia. Se Wladimir Pomar, algum dia, se der conta disso e procurar reverter sua posição política, ele será execrado pela maioria dos seus apoiadores de hoje e terá ajudado a enfraquecer a esquerda revolucionária, com a qual terá de se aliar. Porém, não é provável que ocorra tal reversão. O caminho trilhado por Wladimir Pomar é o do pragmatismo reformista e do oportunismo, um caminho geralmente sem retorno. Nesse rumo que vai trilhando, é ilustrativa a leviandade com que voltou a abordar a questão da tática: "E a respeito da tática, - afirma vitorioso - o apelo que alguns fizeram ao dicionário pouco nos ajuda a esclarecer o significado real das palavras na ação política de massas, por mais malabarismo que façam. Palavras de ordem que as massas precisam consultar grossos dicionários para entender são palavras de ordem mortas ou complicadoras."15 Pomar critica palavras de ordem que exigem, de parte das massas, a consulta de grossos dicionários. Ele não deveria se esconder atrás das massas para justificar sua confusão sobre o conteúdo das palavras, pois poderia saber que tática e palavra de ordem são coisas bem diferentes. A tática implica uma compreensão sobre o momento político em curso. Trata-se de uma abordagem racional, que vai esclarecer às vanguardas e aos elementos avançados de massa o sentido preciso da ação política necessária na conjuntura. O livro de Lênin, Duas táticas, é um exemplo clássico desse tipo de abordagem. Não foi escrito para as massas e nem estas poderiam compreendê-lo. Por outro lado, uma mesma tática pode envolver diferentes palavras de ordem no tempo ou no espaço. As palavras de ordem são determinações da tática, quer dizer, são aplicações da tática com o objetivo de direcionar a ação de grandes contingentes de massa. Elas devem expressar aspectos conjunturais específicos e uma relação psicológica com a subjetividade imediata das massas. Portanto, as palavras de ordem não podem mesmo exigir a consulta de grossos dicionários, mas a tática deve pressupor leitores com uma capacidade de compreensão mínima, pelo menos sobre o sentido preciso de palavras do vocabulário corrente. Por exemplo: um intelectual revolucionário, um elemento de vanguarda ou um ativista avançado do movimento deve saber que desestabilização não é sinônimo de derrubada revolucionária, como quis entender Pomar. Considere-se ou não apropriada essa palavra, é indispensável compreendê-la em seu sentido correto. Pomar deve estar achando muito radical e vanguardista a atual tática do PT, que pede "Diretas Já", ataca a figura de Sarney e, em seu conteúdo, visa claramente desestabilizar a transição conservadora. UM RIGORISMO APARENTE Segundo Pomar, o que impede um maior aprofundamento do caráter de partido do PT "é justamente a existência de correntes, tendências organizadas ou organizações políticas com personalidade própria em seu interior".16 Acompanhemos seu raciocínio: " ... é a própria prática política que tem levado o PT a crescer e consolidar-se como partido e não como frente, embora em sua origem, como bem aponta Pont, tenham participado inúmeras correntes, pequenos grupos e indivíduos que haviam sobrevivido à repressão e à crise que as organizações de esquerda (. . .) haviam vivido no final da década de 60 e início dos anos 70." E acrescenta a seguir: "Desse modo, através de um processo marcado pela prática política, o PT vai se afirmando e firmando como partido."17 À primeira vista, a lógica do raciocínio precedente parece rigorosa. No entanto, uma análise mais detida mostra que este rigor aparente não é mais do que o véu de um sofisma. É verdade que, num determinado sentido, enquanto organicidade dotada de instâncias próprias e efetivas, embora paralelamente se constituam tendências, correntes ou organizações com base em identidades políticas ou filosóficas - o PT está se afirmando como um partido. O PT se constitui cada vez mais com um partido de massas, como um partido no sentido comum e usual da expressão, e não como uma frente de organizações - como tem ocorrido nas lutas guerrilheiras do Terceiro Mundo. Mas o PT não está se tornando um partido leninista por meio de sua prática política, um partido de vanguarda segundo o modelo organizativo e as premissas teórico-políticas delineadas por Lênin. O PT não está se tornando um partido revolucionário de vanguarda, dotado de uma estrutura clandestina e avesso, por princípio, aos compromissos com a legalidade e a ordem burguesas. Enquanto partido de massas, que deve cumprir um determinado papel na institucionalidade, ele nem poderia, por enquanto, ser um partido programaticamente revolucionário. Se o fizesse, agora, teria que retirar-se do terreno institucional e, nas atuais condições, deixaria de ser um partido de massas. Não poderia cumprir o seu papel, deixando o terreno da legalidade e das instituições completamente livre para o exercício da hegemonia política e ideológica da burguesia. A possibilidade do PT cumprir um papel revolucionário advém da sua ambivalência como partido de massas atuante na institucionalidade e, ao mesmo tempo, como partido que expressa determinações de um movimento político que ultrapassa e antagoniza a institucionalidade burguesa. Logo, a proposta de transformar o PT num mero partido legalista (que é a essência das teses de Pomar) ou de transformá-lo num partido leninista (desejo que Pomar "poderia" expressar) conduzem a dois becos completamente sem saída. A primeira, subestima as possibilidades do PT e superestima a legalidade burguesa. A segunda, subestima as teses leninistas sobre a organização revolucionária e superestima as possibilidades do PT. De fato, enquanto partido de massas, o PT se fortalece a cada dia como partido, o que se opõe à idéia que ninguém defende de fazer do PT uma frente de organizações. Porém, não é contraditório - em princípio, embora possa se tornar concretamente se Pomar atingir seus objetivos - à existência de organizações revolucionárias e leninistas em seu interior. Mais adiante demonstraremos que, depois da Revolução de Outubro e da experiência bolchevique, a distinção entre partido de massas e partido de vanguarda é elementar e imprescindível. A tentativa de Pomar em embaralhar esses dois conceitos, fazendo malabarismos com certas categorias leninistas (como centralismo democrático) e a conotação dessas expressões no senso comum, visa dissolver a especificidade da concepção de Lênin para não precisar confrontá-la abertamente. Pomar procura tergiversar o fato de que um partido leninista envolve certos pressupostos elementares: deve ser um partido claramente marxista, ideológica e programaticamente revolucionário e dotado normalmente de uma estrutura conspirativa e clandestina. Assim, o que impediria, de fato, o PT de tornar-se cada vez mais um partido de massas, ou seja, um partido na acepção comum da expressão, seria a proposta (inexistente) no sentido de que ele fosse dirigido por uma plenária ou um comitê formado por representantes de organizações ou partidos revolucionários. A existência de organizações leninistas atuando no seu interior não impede que ele se transforme, cada vez mais, num partido de massas. Ao contrário, pode contribuir decisivamente para que ele não se torne um movimento estritamente "legalista" e possa cumprir uma função revolucionária, isto é, para que possa vir a ser, no futuro, um partido de massas com propostas revolucionárias. A presença de "organizações com personalidade própria" no seu interior, sem dúvida dificulta que ele venha a se tornar um partido da ordem, um partido submergido integralmente na legalidade burguesa. A atuação de organizações e partidos leninistas dentro do PT significa um obstáculo ao projeto de transformá-lo num partido social-democrata. Mesmo que o desejo de transformá-lo num partido leninista, que Pomar "poderia" expressar, fosse sério - embora configurasse um erro estratégico e teórico, - a presença de organizações leninistas no seu interior não poderia constituir um empecilho a esse projeto. Aliás, excluir tais organizações seria precisamente a maneira de impedir que ele viesse a se tornar um partido marxista-leninista, já que isso seria eliminar as formas de organização mais avançadas e ideologicamente mais definidas, em favor de uma organicidade mais frouxa e ideologicamente heterogênea. Mas sabemos que esse não é um caminho possível e nem desejável para o PT, como sabemos igualmente que Pomar apenas está traficando uma proposta "esquerdista", que não é a sua, para lançar uma isca a setores ingênuos que estão à sua esquerda. A verdadeira proposta de Pomar não é "esquerdista". Muito pelo contrário. É "direitista". Ele tem razão, porém, num aspecto: certas pessoas ou organizações às vezes confundem as coisas quando falam apenas genericamente de tendências e correntes políticas, sem especificar o problema das correntes organizadas ou dos partidos revolucionários marxistas-leninistas. É preciso afirmar também estes últimos, e não apenas os primeiros, como necessidade estratégica para a construção do PT enquanto partido de massas capaz de cumprir um papel revolucionário. Porém Wladimir Pomar faz a distinção para reforçar seu projeto político "legalista": "Mas é preciso dizer francamente - afirma - que, embora a existência de tendências ou correntes dentro do partido seja positiva e saudável, a existência de tendências ou correntes organizadas (organizações políticas com personalidade própria) cria uma contradição que tende a se aguçar na medida em que o PT se firma como partido: a contradição entre seu caráter partidário, que avança em virtude de sua prática política, e seu caráter frentista herdado de sua origem e que se torna um empecilho à construção partidária."18 A conclusão que ele retira dessa contradição lógico-formal não deixa dúvidas sobre sua intenção: "No caso das tendências organizadas que estão dentro do PT, temos a situação de partidos dentro de outro partido. (Foi para chegar a essa contradição que Pomar dissolveu a diferença entre "partido de massa" e "partido de vanguarda". - A.G.F.) É esse fato, como reconhece o PRC, que dá um caráter de frente ao PT, que na realidade serve de partido-hospedeiro. Se este partido pretende firmar-se como tal (como "partido de massa" ou como "partido de vanguarda"? - A.G.F.), ou ele absorve os partidos hóspedes ou os exclui."19 Na verdade, a tese de Wladimir Pomar é que o PT deve tornar-se um tipo de partido de massas, exclusivamente legal e organizado na institucionalidade, que exclui a ação das organizações marxistas-leninistas no seu interior. Que tipo de partido será esse? Um partido que deve se "partidarizar" cada vez mais, progressivamente centralizado, sem que tenha previamente definições sobre o tipo de socialismo que preconiza, sobre a maneira de conquistá-lo, ou seja, mesmo que não tenha a mínima clareza em termos programáticos, ideológicos e filosóficos. O importante, agora, segundo sua tese, é liquidar ou expulsar as organizações revolucionárias marxistas-leninistas. Ora, um "caráter partidário" obtido desse modo, com tais pressupostos legalistas e ideologicamente ambíguo, não é outra coisa senão a social-democracia. O PT jamais foi uma frente no sentido tradicional de frente de organizações, mas sempre foi (e continua sendo) uma frente em termos político-ideológicos. Há, dentro do PT, não só propostas políticas claramente diferenciadas, mas concepções e ideologias antagônicas. Em conseqüência, pode-se dizer que, realmente, existe uma contradição dentro do PT, mas não aquela indicada por Wladimir. Há uma contradição entre o caráter partidário (social-democrata) que pretendem lhe atribuir Pomar e seus seguidores, e a existência de organizações que pretendem lhe atribuir um caráter partidário de massas e potencialmente revolucionário. DISTORÇÕES E CONFUSÕES Em meu texto anterior afirmei: "Sem dúvida, na acepção usual, no conteúdo não-leninista desse conceito, o PT é um partido e não uma frente. (grifei) Não obstante, como reconhece Wladimir, seja um partido institucional com características frentistas. No sentido específico do conceito leninista, ou seja, uma organização normalmente clandestina, relativamente pequena, com normas de funcionamento e atividades baseadas no centralismo democrático, o PT não é um partido. Não quer sê-lo, já que pela sua própria vocação, instituída pelo seu nascimento relativamente espontâneo como partido de massas. (grifei) E nem deveria tentá-lo, pois isso neutralizaria o seu grande potencial como instrumento político das amplas lutas operárias e populares."20 Na citação feita por Wladimir Pomar, ele omite as duas frases que agora foram grifadas. A primeira sublinha explicitamente que, no sentido usual, o PT é um partido, embora não o seja no sentido especificamente leninista do conceito. Noutras palavras afirmei claramente que o PT não é uma frente no sentido tradicional (frente de organizações), pois se o fosse essa premissa estaria em contradição com o fato de ser um partido no sentido tradicional do conceito. A outra frase omitida diz respeito à vocação do PT para ser um partido de massas, organizado de forma institucional, como expressão política do sindicalismo combativo e do democratismo radical das massas operárias e populares. Essa característica encerra uma limitação teórico-ideológica e, numa outra escala, também uma limitação política. Mas é o que lhe assegura sua amplitude e eficácia como partido de massas, numa sociedade capitalista desenvolvida e complexa como a nossa. Tentar fazer do PT um partido marxista-leninista, confundi-lo com um partido de vanguarda na acepção bolchevique, é demonstração de estreiteza política e incompreensão teórica. Em primeiro lugar, isso excluiria largos segmentos revolucionários não-marxistas que são integrantes da revolução democrática, operária e popular e mesmo da luta pelo socialismo. Em segundo lugar, essa postura implica uma incompreensão total da natureza, da ideologia e da forma de organização de um partido proletário de vanguarda nos moldes leninistas. Já vimos que Pomar apenas trafica essa sugestão por uma questão tática vinculada à luta interna, pois suas propostas vão exatamente em sentido oposto. De qualquer maneira, voltaremos mais adiante ao conceito de partido de vanguarda. Depois de citar minha afirmação de que o PT "não é um partido no sentido específico do conceito leninista", embora o seja no sentido usual desse conceito (o que ele omitiu), Pomar manifesta seu pesar pela sorte de Lênin "que é interpretado ao bel-prazer de qualquer um que queira se autointitular marxista-leninista e para quem este é o único tipo de partido capaz de realizar transformações revolucionárias na sociedade". Mas façamos a citação integral, embora seja um pouco longa, para tentar descobrir algo mais do que lamentações e identificar as concepções de fundo que Pomar evita apresentar abertamente. "Pobre Lênin, - lamenta o teórico do socialismo legalista - que é interpretado por qualquer um que queira se autointitular marxista-leninista e construtor de um partido revolucionário clandestino e para quem este é o único tipo de partido capaz de realizar transformações revolucionárias na sociedade. Mas se é assim, a única "organização normalmente clandestina, relativamente pequena" que conseguiu levar a cabo uma revolução moderna foi o partido bolchevique. Os PC's chinês, vietnamita, a Frente Sandinista, o MPLA e a Frelimo, que dirigiram movimentos revolucionários vitoriosos, não se enquadram no esquema de Adelmo e por isso não deveriam ser considerados leninistas, embora seus principais documentos, pelo menos no que se refere aos PC's, tomem o leninismo como parâmetro de organização.21 É interessante observar que mesmo nessa passagem, quando aparentemente procura entrar numa discussão de fundo, o sentido geral do que ele está pretendendo dizer fica obscuro. Pomar estaria pretendendo afirmar que o partido bolchevique é um caso único e que, portanto, a concepção de partido de Lênin é produto das condições específicas da Rússia? E que as organizações às quais ele se refere não são de fato leninistas? Ou estaria querendo dizer que todas são efetivamente leninistas e, neste caso, a concepção de partido de Lênin é um chapéu que cabe em qualquer cabeça? Como responder a alguém que não se posiciona nem mesmo diante de seus próprios argumentos? Não sabemos se Pomar se considera leninista, se ele deseja transformar o PT num partido leninista e sequer se ele caracteriza como leninistas os partidos e organizações que cita em benefício de suas teses. Talvez a dubiedade aqui não seja apenas um estilo tosco de se expressar ou simples confusão mental. O mais provável é que se trate de um método de discutir que, como já vimos anteriormente, precisa omitir definições para não quebrar o encanto de suas teses simplórias vagamente delineadas. Primeiro, porém, vejamos algumas distorções praticadas ao longo de seu indefinido discurso. Jamais afirmei que o partido leninista é "o único tipo de partido capaz de realizar transformações revolucionárias na sociedade". Isso seria um absurdo em oposição às mais óbvias constatações históricas. Nas revoluções "democrático-burguesas", nas "guerras de libertação nacional" ou mesmo nas transformações de caráter "democrático e popular" - enfim, quando a contradição principal da sociedade não envolve imediatamente a questão do socialismo - o processo pode ser desencadeado e levado a termo, dentro de seus limites, sem a hegemonia de um partido proletário de tipo leninista ou mesmo sem sua existência. Tais revoluções podem, perfeitamente, ocorrer sem esse gênero de partido e, inclusive, prescindindo da participação diferenciada da classe operária. Porém, quando a meta do socialismo surge concretamente, as forças de esquerda, organizadas militarmente ou conforme padrões não-leninistas, se forem hegemônica, tratam de se constituir segundo as normas bolcheviques. Procuram se estruturar em "partidos de vanguarda" na acepção leninista desse conceito. Foi o que ocorreu em Moçambique, Angola, Nicarágua e vários outros países do Terceiro Mundo. Se essas organizações conseguem, efetivamente, tornar-se "partidos bolcheviques" é outro problema. Normalmente, em função do atraso econômico da sociedade, da indigência cultural e teórica das forças revolucionárias, da quase inexistência ou insignificância política da classe operária, essa transformação não passa de um arremedo, ou seja, se uma modificação estatutária, incipiente em seu conteúdo. São fatores históricos objetivos e subjetivos que colocam em questão a própria possibilidade de uma passagem imediata, naquelas bases, para uma estrutura socialista. Em 1978, no III Congresso, a Frelimo transformou-se no "Partido Frelimo". Seu Estatuto declara: "O Partido Frelimo guia-se pela síntese da experiência da luta revolucionária do Povo moçambicano com os Princípios universais do marxismo-leninismo."(22) No entanto, mesmo organizado em células e adotando o princípio do centralismo democrático, a Frelimo assemelha-se mais a uma organização burocrática para estatal e não a um partido de vanguarda. O MPLA - Partido do Trabalho, de Angola, também organizou-se formalmente em termos leninistas após a tomada do poder, tendo em vista o objetivo do socialismo. O mesmo ocorreu com a Frente Sandinista. As dificuldades desse processo são, portanto, em grande parte, conseqüência do atraso econômico dessas sociedades, do caráter da revolução realizada e dos seus impasses na tentativa de transição ao socialismo. Pode-se dizer que tanto a tentativa de transformar tais organizações em partidos leninistas quanto as enormes dificuldades em fazê-lo, são faces da mesma moeda: os impasses da construção do socialismo em países pouco desenvolvidos do ponto de vista capitalista, às vezes até dotados de estruturas tribais, como é o caso de Moçambique. O PARTIDO DE VANGUARDA E A "MODERNIDADE" Entretanto, mesmo nos países atrasados, o processo revolucionário pode se dar de outra forma. O Partido Comunista da África do Sul foi o principal artífice na organização da ANC (Congresso Nacional Africano), sendo um dos mais antigos do continente. O Partido Comunista Chinês, fundado em julho de 1921, em meio aos movimentos nacionais-revolucionários já em curso e sob a inspiração da Revolução Russa, após alguns anos de trágica colaboração com o Kuomitang (partido democrático-burguês), que conduziu ao massacre de sua base urbana, foi assumindo a hegemonia política e militar do processo revolucionário até a proclamação da República Popular da China em 1949. O Partido Comunista Chinês constituiu-se, inicialmente nas cidades, como organização eminentemente política e com uma estrutura leninista, para depois transferir seu eixo de atuação para o campo, tornando-se o dirigente de uma guerra revolucionária de base camponesa. No Vietnam, a luta de libertação nacional contra os franceses, desde a metade do século passado, teve uma grande ascensão, a partir da Primeira Guerra Mundial, entre as camadas intelectuais e pequeno-burguesas, entre as massas camponesas e o proletariado que começava a se constituir. O Partido Comunista Indochinês - atual Partido dos Trabalhadores do Vietnam - foi fundado em 1930, ocupando desde então um papel decisivo na luta de libertação nacional. A primeira "zona livre" conquistada pela guerrilha foi na luta contra os japoneses, sob a hegemonia do partido, após o início da Segunda Guerra Mundial, quando a França foi invadida pelos nazistas e o Vietnam tornou-se colônia do Japão. O sentido que se observa em tais processos, no seu conjunto, é o oposto do que sugere Pomar. Ao invés de concluirmos que a única organização leninista que conseguiu levar a cabo uma revolução moderna foi o partido bolchevique, podemos notar que, mesmo nas lutas anticoloniais, o desdobramento em direção à "modernidade" (que se expressa na sua meta socialista) está indissoluvelmente ligado à construção de partidos de vanguarda de caráter marxista-leninista. Apesar de todos os impasses, tropeços e desvios da meta socialista e da construção dos próprios partidos nestes países, os avanços relativos conquistados sempre estiveram ligados à implantação e maturidade teórico-política alcançada pelos projetos partidários marxistas-leninistas. A salada feita por Wladimir Pomar em torno dos PC's chinês, vietnamita, da Frente Sandinista, MPLA e Frelimo - afirmando que "não se enquadram no esquema de Adelmo e por isso não deveriam ser considerados leninistas, embora seus principais documentos, pelo menos no que se refere aos PC's, tomem o leninismo como parâmetro de organização" - veio apenas para confundir e não para explicar. A amplitude e a dubiedade da colocação de Pomar não só contornam a concreticidade dos processos históricos referidos como, igualmente, tentam diluir o papel complexo e contraditório (mas sempre presente e decisivo) das concepções e formas de organização leninista nos processos revolucionários dos países coloniais ou dos países atrasados submetidos ao imperialismo. Na verdade, é a revolução socialista (ou o desdobramento socialista de uma revolução democrática e nacional) - e não qualquer processo revolucionário - que exige um partido de vanguarda de conteúdo marxista-leninista. No caso do Brasil, embora o caráter da revolução seja "democrático, operário e popular", não há uma fronteira nítida, uma linha de demarcação prévia, entre esse caráter e o seu necessário desenvolvimento para o socialismo. O conteúdo socialista da revolução brasileira é um aspecto fundamental de seu caráter e que tende, como condição para evitar o retrocesso, a tornar-se dominante imediatamente à tomada do poder. A hegemonia proletária, não obstante, surge como uma necessidade estrutural que se coloca como fundamento político da constituição do novo poder e de sua viabilidade. E para isso é indispensável a construção de um "partido proletário de vanguarda", ou melhor, de uma ou mais organizações "normalmente clandestinas e relativamente pequenas" (que precisam contar com dezenas ou centenas de milhares de militantes), estruturadas tendo por base os acúmulos teóricos e políticos da experiência marxista-leninista. O fundamental é que seja um partido (ou partidos) organizado a partir de uma unidade teórico-filosófica, ideologicamente definido, revolucionário em termos programáticos e políticos, e organizado "de cima para baixo". O que, na acepção leninista, significa uma organização estruturada da consciência para a experiência, dos indivíduos para o coletivo, formada pelos militantes mais combativos e avançados do proletariado e das camadas populares. AS APARÊNCIAS ENGANAM Pomar também se aventura, embora ligeiramente como é de seu feitio, pelos caminhos da psicologia: "Volto a repetir que o discurso aparentemente revolucionário de alguns não passa de uma armadilha inconsciente que pouco ou nada ajudará a resolver os problemas concretos colocados pela revolução brasileira. Cada um faz de si a imagem que bem entende. Entretanto, na maioria dos casos, essa imagem não corresponde à realidade."23 Em termos gerais, tal como estão colocadas, suas afirmações podem ser aceitas integralmente. O discurso aparentemente revolucionário "de alguns" não passa de uma armadilha inconsciente. Além disso, cada um faz de si a imagem que bem entende. Mas Pomar não enfrenta, através de uma crítica teórica radical, os discursos que pretende definir como "aparentemente revolucionárias". Nesse caso, o leitor é levado a concluir que, por não aparentar radicalidade verbal, o seu discurso ambíguo e reformista representa a verdadeira posição revolucionária. Por meio de tal artifício, ele está propondo, para si próprio, a discreta imagem de um revolucionário que não fica prisioneiro das armadilhas inconscientes do verbo. Podemos, agora, concordar também com suas conclusões no terreno psicológico: "Cada um faz de si a imagem que bem entende. Entretanto, na maioria dos casos, essa imagem não corresponde à realidade." O que esquece o nosso discreto revolucionário é que não há política revolucionária sem teoria revolucionária. E que sem um discurso revolucionário claro e conseqüente, em seus diferentes graus de elaboração, não pode haver nem uma nem outra. É possível um discurso revolucionário originado de uma fonte secreta, mas não pode haver um discurso secretamente revolucionário. Wladimir Pomar quer insinuar que sua posição política e suas elaborações pragmáticas, postas no lugar da teoria revolucionária, são implicitamente revolucionárias, embora aparentem outra coisa bem diferente. Entretanto, quando, num "ato falho", ele confessa sua indisposição para discutir "o que é o leninismo e quem é leninista", já que isso demandaria "perder um tempo enorme", explicitou-se o que era implícito. Pomar não quer debater e refletir sobre este tema, simplesmente porque não se coloca, estratégica ou taticamente, o problema concreto da revolução. Ele se propõe a discutir tão somente o "caráter concreto" do PT, que seriam aquelas questões imediatas da funcionalidade partidária e os supostos prejuízos causados pelas "correntes organizadas". Comete, então, uma indiscrição em prejuízo de sua imagem construída com tanto esmero: o discreto charme do revolucionário contido em seu discurso, revela-se no cínico "realismo" que faz da política a "arte do possível" e que desdenha das questões teóricas do projeto revolucionário. A SEGURANÇA DA LEGALIDADE Passemos, agora, às questões referentes à clandestinidade e segurança. Pomar diz que é necessário "desmistificar também os argumentos sobre clandestinidade e centralismo-democrático com que enchem a boca algumas tendências organizadas". (Ele supõe, otimistamente, que já desmistificou alguma coisa além de sua imagem de revolucionário discreto.) Depois de afirmar que os órgãos de segurança do Estado identificam muitos militantes das organizações ilegais - no que têm sido auxiliados, diga-se de passagem, por setores da própria esquerda que insistem em vincular pessoas a organizações - Pomar delineia sua concepção de segurança: "Toda a experiência histórica tem demonstrado que só uma forte base de massas, só um profundo enraizamento nas massas da população, dá segurança a um partido que é obrigado a passar à clandestinidade quando, nos momentos agudos da luta de classes, a burguesia passa à repressão aberta e torna inviável a existência legal de partidos operários e revolucionários. Nenhuma máquina conspirativa é capaz de dar segurança à clandestinidade se não existe aquela base de massas. Nesse sentido podemos afirmar, sem medo de errar, que o PT como um todo está muito mais resguardado do que as organizações conspirativas, embora trate com certa negligência sua vida interna."24 Certamente que "uma forte base de massas" é uma das condições fundamentais para a segurança de um partido revolucionário. Mas ele insinua que essa base de massas é suficiente, do ponto de vista estratégico, para enfrentar os golpes da repressão, no que está redondamente enganado. Para que um partido revolucionário, posto na ilegalidade e violentamente reprimido, funcione regularmente e cumpra suas funções políticas é indispensável uma "máquina conspirativa" altamente especializada. É uma ilusão pensar (e irresponsabilidade proclamar) que "uma forte base de massas" sustenta uma organização golpeada sistemática e abertamente pelo aparato repressivo, se não tiver uma sólida experiência de clandestinidade e uma vida interna em moldes leninistas. À medida que Pomar se preocupa apenas com os problemas "concretos", que para ele são os imediatos, acha que, se realmente isso for necessário no futuro, o problema será resolvido no seu devido tempo. Acredita que a clandestinidade de um partido operário e revolucionário no Brasil é uma situação meramente circunstancial, posta apenas "nos momentos agudos da luta de classes", quando "a burguesia passa à repressão aberta e torna inviável a existência legal de partidos operários e revolucionários". Porém, as premissas das quais ele parte estão invertidas. Cabe perguntar quais os períodos da história do nosso país em que houve condições para a existência legal de partidos marxistas-leninistas, abertamente revolucionários e internacionalistas. A história da ordem burguesa no Brasil foi, em seu conjunto, excludente em relação às posições do marxismo revolucionário. O que temos visto, ao longo de todo este século, é a predominância de regimes implacavelmente repressivos sobre as organizações operárias e os comunistas em particular. Mesmo hoje, em plena "Nova República", não há espaço legal (e tampouco um mínimo de garantias reais) para a existência de um verdadeiro partido comunista. O sistema repressivo montado ao longo de vinte anos do regime militar está intacto, trabalhando regularmente numa atividade de acúmulo e análise de informações, e os mais proeminentes torturadores ocupam altos postos no Estado. Assim, toda a argumentação de Pomar sobre os "momentos agudos da luta de classe" em que se torna inviável a existência de "partidos operários e revolucionários" é falaciosa já por suas premissas. No Brasil, somente em momentos muito especiais é que pode-se tornar viável a existência de partidos operários e revolucionários na legalidade. A tese de Pomar é uma falácia política com base numa distorção histórica, mais uma vez eivada de "legalismo". De fato, nenhuma "máquina conspirativa" é capaz de dar segurança à clandestinidade sem uma base de massas. Entretanto, a recíproca também é verdadeira. Sem uma sólida "máquina conspirativa" nenhuma base de massas pode ser mantida sob a direção política de uma organização sistematicamente perseguida e reprimida. Nenhuma base de massas, por si mesma, é capaz de assegurar a estabilidade e a funcionalidade orgânica dos quadros e militantes revolucionários atuando na ilegalidade. Nessas condições, uma "máquina conspirativa", ligada ao movimento mas organicamente separada dele, é indispensável para que a base de massas possa ser mantida na perspectiva de uma ação política conseqüente. A falsa premissa de que a ilegalidade e a clandestinidade devem ser consideradas como aspectos secundários e circunstanciais da estratégia da revolução no Brasil leva Pomar a concluir, como de costume, com um sofisma: "... podemos afirmar, sem medo de errar, que o PT como um todo está muito mais resguardado do que as organizações conspirativas, embora trate com certa negligência sua vida interna"25 . As organizações clandestinas são teórica e ideologicamente marxistas-leninistas, defendem abertamente um objetivo revolucionário. Tais organizações possuem, dentro de seus limites, uma estrutura leninista de organização, enquanto o PT - por ser um partido legal e legitimado institucionalmente - é obrigado, em geral, a submeter-se às determinações da legislação partidária e eleitoral. As organizações, ao contrário do PT, possuem pouca expressão política e pequena base de massas. É evidente, portanto, que o PT está mais resguardado da repressão, tendo em vista a combinação desses fatores. Mas não é essa a comparação a ser feita, já que aí reside exatamente o sofisma. É necessário indagar, isto sim, se estrategicamente o movimento operário e popular - frente aos inevitáveis confrontos revolucionários da luta pelo socialismo - estará mais resguardado se combinar formas de organização legais e ilegais, abertas e clandestinas, ou se optar pela atuação exclusiva no âmbito da ordem burguesa. Esta pergunta, Pomar não responde e sequer a coloca, pois isto denunciaria a farsa do "socialismo legalista" que ele defende. Cada um evita as indagações que não lhe convêm, de acordo com a imagem que procura preservar. Certamente, são as "armadilhas do inconsciente". O PT está mais resguardado da repressão do que as atuais organizações clandestinas. Mas isso prova tão somente a fragilidade política e orgânica de tais organizações, não que o PT esteja suficientemente protegido para cumprir um papel revolucionário. Ao contrário, indica uma limitação de repercussões globais no movimento operário e popular, o que deveria ser motivo de júbilo e satisfação apenas para a burguesia e seus representantes. EVITANDO O CONFRONTO As concepções de Wladimir Pomar a respeito do leninismo e da questão do partido de vanguarda exigem uma análise mais detalhada. A sua recusa em reconhecer a especificidade da contribuição de Lênin sobre o partido (embora declarando-se "condicionalmente" leninista), deve ser compreendida em seu contexto. Depois de muitos anos de vivência sectária e exercício dogmático, interpretando o leninismo (e o próprio marxismo) de maneira escolástica é compreensível que no ato intelectual de "libertação" desse processo traumático ele seja compelido a abandonar a própria idéia da revolução, que mantinha envolvida em misticismo. Assim, junto com as interpretações religiosas do marxismo, com as distorções e os crimes cometidos pelo stalinismo, Pomar descartou-se também dos aspectos universais da práxis leninista e da concepção do partido de vanguarda. É compreensível, mas não é aceitável. Não podemos esquecer que, do ponto de vista teórico, Marx e Lênin apenas lançaram certos pressupostos básicos de um processo teórico e prático que deve ser permanentemente criticado e revisado. Nesse sentido, é preciso reconhecer que o marxismo está atrasado em relação aos desenvolvimentos teórico-científicos patrocinados pelo capitalismo e, igualmente, em relação aos impasses políticos e econômicos contemporâneos. Os rumos que tomaram as chamadas "sociedades pós-revolucionárias", a integração e domesticação da classe operária nos países capitalistas centrais, as novas formas de dominação ideológica e cultural e, de modo geral, nossa incapacidade para apreender integralmente o significado desses fenômenos, são indicações eloqüentes desses impasses. Para superá-los, no entanto, é necessário que sejam investigados teoricamente e, quando for o caso, deve-se abandonar as teses clássicas do marxismo de forma aberta e radical. Essa postura é fiei à metodologia que está nas raízes da concepção de Marx, ao espírito do marxismo e aos seus objetivos revolucionários e humanizadores. A sinuosidade do discurso, a simples adesão ao pragmatismo, que reduz as complexas problemáticas históricas ao "aqui e agora" é, esta sim, em princípio antimarxista. Lênin acentuou diversas vezes que suas idéias sobre organização estavam solidamente assentadas na tradição da social-democracia européia. Numa ocasião, respondendo críticas de Rosa Luxemburgo, chegou a dizer que ele não estava defendendo uma concepção de partido em especial, mas certas condições para o funcionamento eficaz de qualquer partido. Muitos marxistas ou leitores acreditam, ainda hoje, que Lênin tinha razão quanto à avaliação modesta que fazia de sua própria obra a respeito da questão do partido. Rosa Luxemburgo, no entanto, teve a grandeza de perceber a inovação trazida por Lênin. E teve o mérito também de combatê-lo franca e abertamente. Seu exemplo deveria ser seguido por aqueles que, como Pomar, se proclamam (embora de modo enigmático e condicional) marxistas-leninistas às custas de transformar a concepção de partido de vanguarda numa geléia eclética. A franqueza em romper abertamente com as idéia de Lênin sobre o partido, de proclamar alto e bom som o "legalismo" como estratégia, evitaria que perdêssemos "um tempo enorme" denunciando falácias e desmontando sofismas. Isto sim, uma perda de tempo desnecessária. E poderíamos centralizar o debate em questões do marxismo, do leninismo, da estrutura da sociedade brasileira, da estratégia e da tática da revolução e do papel do PT nesse contexto. Mas voltemos a Rosa Luxemburgo. Após criticar o que considera um "centralismo implacável" de Lênin, Rosa sintetiza o tipo de partido defendido por ele: "Se eleva à altura de um princípio a necessidade de selecionar e organizar os revolucionários ativos, diferenciando-os da massa desorganizada, mesmo que revolucionária, que rodeia esta elite."26 O tom irônico da crítica é notório. Mas ela captou a novidade essencial da tese de Lênin, ao observar a nítida diferenciação orgânica entre a classe e o partido que qualifica a proposta leninista. Essa distinção orgânica, segundo Lênin, é imprescindível para que o partido possa cumprir seu papel de vanguarda, à medida que deve abranger os indivíduos mais conscientes e combativos através de uma organização relativamente pequena (em proporção à classe e às massas), normalmente ilegal e dotada de um sólido aparato clandestino e conspirativo. Esse tipo de partido, que ele próprio rotulou como "um jacobinismo indissoluvelmente ligado à organização do proletariado" - que envolve, ao mesmo tempo, uma separação e uma total articulação com a classe e o movimento - significa uma ruptura com a tradição social-democrata que havia se consolidado até o início do século. Implicava, nas palavras de Rosa, "uma revisão total de nossas idéias sobre organização"27 . Ninguém mais insuspeito do que Rosa Luxemburgo, que se opôs frontalmente às teses de Lênin sobre organização, para sustentar a existência dessa ruptura patrocinada pelo bolchevismo. A GÊNESE DO PARTIDO LENINISTA A discussão principal no II Congresso do POSDR, que versou sobre o primeiro parágrafo dos Estatutos, foi o primeiro grande confronto político das idéias de Lênin sobre a organização do proletariado. Embora no conjunto as teses de Lênin tenham sido vitoriosas nesse Congresso, em relação ao primeiro parágrafo dos Estatutos ele foi derrotado por uma proposta "centrista" apresentada por Martov, em substituição a uma outra, também de Martov, que era ainda mais frouxa em relação à organicidade do partido. O texto aprovado dizia o seguinte: "Considera-se membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que aceita o seu programa, apóia materialmente o partido e lhe dá o seu apoio pessoal regular sob a direção de uma de suas organizações."28 O projeto derrotado, da autoria de Lênin, exigia a "participação pessoal" numa das organizações para alguém ser considerado membro do partido, além das demais condições referidas. Pelo texto de Martov, ficava estabelecida, na opinião de Lênin, uma fronteira pouco nítida entre aqueles que são membros e os simpatizantes ou apoiadores do partido. De fato, a proposta de Martov deixava margem para uma zona indefinida entre o partido e a classe, o partido e as massas. Por isso, a pergunta que Lênin fazia era procedente, em se tratando de um partido de vanguarda que pretendia dirigir uma revolução: "podem os órgãos do partido dirigir de fato membros do partido que não pertençam a nenhuma organização do partido?"29 . Portanto, as idéias de Lênin sobre a formação da vanguarda apontavam para a necessidade, não de um partido de trabalhadores vagamente socialista, mas um partido de vanguarda definido claramente pelo marxismo revolucionário. Um partido que arregimentasse - com base em certos critérios - os elementos mais combativos e conscientes da classe operária e das massas. Que tivesse uma base de massas, profundas vinculações com o movimento, que fosse capacitado política e teoricamente para liderar a classe operária no processo revolucionário e hegemonizar os demais setores populares. Para Lênin, não se trata de excluir antecipadamente ninguém, nem de afastar do trabalho e da participação no movimento. "Pelo contrário, quanto mais fortes forem as nossas organizações do partido, englobando verdadeiros sociais-democratas, quanto menos hesitação e instabilidade houver no interior do partido, mais larga, mais variada, mais rica e fecunda será a influência do partido sobre os elementos das massas operárias que o rodeiam e por ele são dirigidas. Com efeito, não se pode confundir o partido, como destacamento de vanguarda da classe operária, com toda a classe."30 . As citações não visam, aqui, utilizar a "autoridade" de Lênin como argumento em favor da verdade de uma tese, mas simplesmente demonstrar que há uma concepção específica de partido ligada à práxis bolchevique. Portanto, no mínimo, essa concepção deve ser reconhecida pelos que se dizem socialistas e revolucionários. Sem dúvida, há um grande impasse político e teórico diante do movimento operário e dos marxistas. Não se pode subestimar sua profundidade e as implicações que decorrem dele. À falência da II Internacional seguiu-se a falência da III, que havia sido fundada sob a hegemonia bolchevique e tornou-se, poucos anos depois, sob o peso de Stalin, uma caricatura do projeto leninista. Os partidos originários da II Internacional que, desde 1914, haviam rompido com a perspectiva revolucionária e o internacionalismo, prosseguiram em seu caminho de degeneração política e ideológica. É a social-democracia, tal como a conhecemos hoje, que funciona como uma espécie de "reserva moral" do capitalismo e da ordem burguesa. Os PC's fundados sob a influência do bolchevismo e da III Internacional jamais conseguiram, nos países desenvolvidos, com poucas e breves exceções, tornar-se partidos proletários capazes de ameaçar seriamente a dominação capitalista. Pode-se afirmar que o projeto revolucionário entrou em crise nos países centrais do sistema capitalista. A social-democracia, ao contrário do que desejava (e previa) Lênin, não foi varrida por uma onda revolucionária e nem a "aristocracia operária" mostrou-se um conceito suficientemente esclarecedor em relação ao refluxo do movimento revolucionário. Esses fenômenos são incisivos ao indicar que o partido de vanguarda projetado e, em certa medida, realizado por Lênin não pode ser considerado uma solução mágica, uma espécie de modelo para ser empiricamente transplantado para qualquer tempo e lugar. No entanto, é imprescindível avaliar teoricamente a experiência bolchevique e as teses leninistas, procurando detectar as contribuições universais da tese do partido de vanguarda ao movimento revolucionário, ao invés de dissolvê-las numa generalidade suspeita ou ignorante. Por que os mencheviques, organização formada por revolucionários marxistas, capitularam frente ao processo da Revolução Russa se, de início, eles não tinham divergências programáticas importantes com os bolcheviques? Será que o oportunismo, como dizia Lênin, num partido marxista que pretende ser vanguarda revolucionária, começa pela sua forma de organização? Por que os socialistas-revolucionários, que defendiam a necessidade de uma revolução e se declaravam genericamente socialistas, não apenas capitularam mas também assumiram uma posição abertamente contra-revolucionária a partir de 1917? Por que os partidos ligados à II Internacional degeneraram para posições chauvinistas e reformistas? Por que os partidos da III Internacional não tiveram melhor sorte? Colocar tais questões é situar os problemas imediatos num plano realmente concreto. A tese do partido marxista amplo, de massas, formado por "militantes conscientes", não é nova. Ao contrário, ela é a mais antiga e foi precisamente contra ela que Lênin se voltou, denunciando sua ineficácia revolucionária, o que foi amplamente comprovado tanto no caso da Rússia como dos demais países. Portanto, simplesmente rejeitar a tese do partido de vanguarda como algo ultrapassado, uma idéia antiga sobre a qual sequer vale a pena discutir, significa "esquecer" aspectos elementares da história do movimento socialista e do marxismo. A tese de Lênin, como foi acentuado, representou uma ruptura em relação ao modo tradicional de conceber o movimento operário e socialista, incluindo nessa tradição Marx e Engels. Porém, Lênin não chegou a elaborar propriamente uma teoria do partido de vanguarda, mas defendeu um conjunto de teses políticas inovadoras sobre organização. O stalinismo transformou-as, então, numa teoria pronta e acabada. As idéias de Lênin sobre organização, que não foram elaboradas num nível elevado de abstração (e, por isso, não continham explicitamente universalidade teórica), foram universalizadas com base em cartilhas toscas feitas à imagem e semelhança da indigência teórica de Stalin. O resultado é que uma práxis revolucionária, inovadora em termos políticos e orgânicos, que deveria servir como matéria-prima para a elaboração progressiva de uma teoria do partido de vanguarda, resultou num dogma sectário. A tragédia do movimento revolucionário é que, em geral, esse dogma vem sendo reiterado monotonamente por alguns e, por outros, rejeitado em bloco juntamente com a práxis revolucionária na qual supostamente se baseou. O SIGNIFICADO DO CENTRALISMO-DEMOCRÁTICO Analisemos, então, um dos conceitos fundamentais dessa práxis orgânica do partido de vanguarda. O centralismo-democrático proposto por Lênin, cujo conteúdo já aparece desde o Que fazer? (escrito em 1901-1902), embora o termo seja utilizado mais tarde, não é uma democracia qualquer aplicável a qualquer tipo de partido ou estrutura orgânica. Trata-se de uma categoria que só adquire sentido no contexto das reflexões e propostas políticas específicas de Lênin. Ela implica, exatamente, a negação da abordagem genérica e puramente formalista da democracia, tal como faz a ideologia burguesa. Afirmar que a democracia partidária exige "deliberações participativas", "debates democráticos", a convivência de diversas "correntes de opinião" para a construção de "uma forte unidade política para a ação de massas", como faz Pomar, não permite que avancemos sequer um milímetro. Ulysses Guimarães, Lênin, Kautsky, Martov, talvez até Mussolini e muitos outros concordariam plenamente com isso. As divergências somente apareceriam quando tais personalidades fossem "perder tempo" discutindo o que significam tais expressões, de que maneira e em que contexto devem ser implementadas. Noutras palavras, as divergências sugiriam na concretização do debate teórico, na discussão das finalidades (projetos históricos e políticos), dos pressupostos teórico-filosóficos e das estruturas capazes de viabilizar os objetivos a serem atingidos. É nesse quadro de questionamentos que as palavras de Pomar sobre o centralismo-democrático mostram toda sua vacuidade e falta de sentido. "O que interessa e serve ao PT no seu processo de construção - assevera Pomar - é a escolha democrática dos dirigentes dos núcleos e diretórios; a elaboração da política do partido através do debate democrático, das consultas e deliberações participativas; a construção de uma forte unidade política para a ação de massas, que lhe confira um aspecto externo monolítico, embora convivam no seu interior diferentes correntes de opinião e o partido esteja sempre aberto às críticas e sugestões das massas. A esse método de funcionamento orgânico eu também chamo de centralismo-democrático".31 (grifei) Num partido amplo como o PT, que não é marxista e não possui unidade teórico-ideológica, que não é programaticamente revolucionário (embora possa vir a sê-lo em seu desdobramento), num partido organizado em moldes institucionais - no qual participam setores de vanguarda, mas também segmentos politicamente atrasados - não é possível falar em centralismo-democrático na acepção leninista. E isso não pode ser tergiversado ou obscurecido sob quaisquer alegações. O centralismo-democrático envolve não apenas a submissão das instâncias inferiores às superiores do partido, mas também a subordinação política de todos os indivíduos ligados ao partido no interior do próprio movimento de massas. E a premissa dessa submissão dos indivíduos a uma determinada práxis política decorre, não do "policiamento" ou da suposta "missão" transcendente do partido, nem da sua autoridade formal ou do seu poder de coerção (como acontece em relação ao Estado de classe), mas ao ato livre de cada indivíduo em função de uma radical identidade filosófica, ética e política com o coletivo que realiza sua ação mediada pelo partido. É essa identidade radical de pressupostos e finalidades, essa subsistente unidade teórico-ideológica em torno da revolução socialista e de suas premissas, a condição que fundamenta a possibilidade do centralismo-democrático no sentido leninista. Sem ela, não há legitimidade de pressupostos para uma submissão do indivíduo que seja, ao mesmo tempo, sua verdadeira afirmação como ser histórico e como sujeito. Ao contrário, sem aquela identidade radical de pressupostos, a subordinação individual a um partido - quando as decisões partidárias contrariam suas convicções - será a anulação ou a manipulação do indivíduo como sujeito histórico. O centralismo possível e desejável dentro do PT, por isso, é de outra ordem. Envolve a conquista progressiva de uma unidade política que encontra seus limites, em cada momento, na insuperável e necessária diversidade de pressupostos teórico-filosóficos. Percebe-se, em conseqüência, que as posições de Pomar sobre o centralismo-democrático não apenas são estranhas ao leninismo como, num sentido mais elementar, são antidemocráticas. Ele propõe a subordinação dos militantes do PT, enquanto ativistas individuais no movimento de massas, mesmo em relação a políticas decorrentes de pressupostos teórico-filosóficos que contrariem as convicções mais íntimas de cada um. Seria como exigir, por exemplo, que os católicos participassem da luta pela descriminalização do aborto. Vejamos. Primeiro ele quer aplicar o centralismo-democrático para, através dele, obter uma unidade teórica, ideológica e política dentro do PT. Aquilo que é condição fundamental do centralismo-democrático e da práxis leninista, ele coloca como objetivo a ser alcançado por meio do centralismo. É verdade que o centralismo-democrático retroage dialeticamente sobre os pressupostos, incidindo de forma crítica sobre eles e produzindo seu desenvolvimento, pois tampouco tais pressupostos devem ser vistos como um dogma. Mas não há como confundir as coisas: o momento prioritário, lógica e historicamente anterior, é constituído pela unidade de pressupostos e não pela subordinação. A tentativa de centralizar o PT normativamente - através de propostas nominalmente leninistas de organização -, ao invés de reivindicar uma unidade política baseada na discussão e na persuasão, mostra a sua face oculta. Trata-se de uma centralização burocrática feita sob encomenda para estigmatizar as organizações revolucionárias e neutralizar os setores mais avançados do PT. No interior do chamado "debate sobre as tendências" do PT, a tese de alguns, no sentido de que elas deveriam ser "regulamentadas" oficialmente, já indica o caráter mesquinhamente burocrático de certos enfoques. Regulamentar as tendências dentro do PT, que possui um Estatuto e normas estabelecidas de funcionamento, tem o mesmo conteúdo da regulamentação do direito de greve. Isto é, visa limitar e restringir normativamente o conflito político e o debate teórico-ideológico. Uma unidade política avançada dentro do PT só pode ser obtida com base na. luta ideológica, na discussão teórica e numa relação intensa com o próprio movimento de massas. A própria experiência do PT tem demonstrado que seus momentos de maior unidade política, em torno de propostas combativas e avançadas, não ocorreram em função de orientações precisas, emanadas das cúpulas e seguidas ordinariamente pelas bases, ou das determinações estatutárias, mas em função da pressão política dos militantes e setores avançados das bases, apesar das vacilações e da paralisia da cúpula. O grande potencial do PT está, não nas concepções teóricas confusas e nas vacilações políticas da maioria de seus dirigentes nacionais, mas na sua capacidade de ser uma expressão política dos segmentos mais combativos e radicalizados das massas operárias e populares da cidade e do campo. As teses de Wladimir Pomar, tenha ele consciência disso ou não, representam o caminho brasileiro para transformar esse potencial num mero aparelho po1ítico - discordante do governo e de suas políticas -, mas perfeitamente integrado e legitimador da ordem burguesa e sua legalidade. Enfim, num partido social-democrata. Seu "legalismo" estratégico e o tipo de combate que ele promove às organizações marxistas-leninistas são as determinações fundamentais da implementação desse percurso. Notas de Rodapé |