Referência:
GENRO FILHO, Adelmo. Caracterize a crítica de Habermas à racionalidade de tipo instrumental, bem como sua racionalidade alternativa. Florianópolis, 24 de abril de 1984, mimeo., 4 pp. [Texto datilografado da prova elaborada por Adelmo Genro Filho para a disciplina "Crise e Redefinção do Pensamento Social", do Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Mestrado) da Universidade Federal de Santa Catarina, ministrada pelos professores Maria José Reis e Paulo Freire Vieira e cursada no primeiro semestre de 1984.] [Ref.: T086]
Caracterize a crítica de Habermas à racionalidade de tipo instrumental,
bem como sua racionalidade alternativa

         Habermas é o último representante da "Teoria Crítica", nome genérico atribuído as contribuições teóricas da chamada "Escola de Frankfurt". Sua concepção propõe como princípio regulativo da reflexão ética e científica sobre a sociedade o que ele mesmo chamou de Teoria da Competência Comunicativa. A partir de uma situação abstrata de comunicação ideal entre os homens, sem pressões ou subordinação, mas que estaria como pressuposto de qualquer comunicação real existente, Habermas encontra normas e valores para lhes servirem de substrato a uma crítica contra o capitalismo tardio e o próprio stanilismo.

         Para sua negação da racionalidade instrumental, típica do capitalismo tardio, ele retoma de Adorno uma concepção de totalidade dialética que visa superar a abordagem funcionalista ou sistêmica. Para Habermas, Adorno tem razão quando afirma que a totalidade é muito mais do que a soma das partes, como é mais ainda do que pensa a concepção organicista ou sistêmica. Trata-se de uma totalidade que, por ser dialética e histórica, transcende aos fundamentos do sistema tomado isoladamente, já que está inserido numa dimensão na qual o sujeito humano supera as circunstâncias dadas objetivamente. Para Adorno e Habermas, dizer que a totalidade é mais que a soma das partes ainda não é suficiente, porque não resgata a dialética histórica, sua complexidade e abertura determinada pelo fazer humano.

         É a partir desse ponto de vista que Habermas aborda criticamente o positivismo que está na base teórica da racionalidade de tipo instrumental. A produção científica não é neutra, diz ele, já que por trás dela existe sempre um interesse técnico no sentido do domínio humano da natureza, um interesse comunicativo de transparência e igualdade nas relações humanas e, em decorrência destes dois, o interesse emancipador que emana da própria atividade dos homens, devendo ser assumido conscientemente. Desse modo, Habermas coloca-se criticamente diante da ciência positivista e da tecnocracia, já que ambas são complementares e se justificam pela racionalidade técnica, ou seja, pela racionalidade de tipo instrumental.

         Já vimos que o processo social, para Habermas, não é apenas um sistema, uma conexão funcional passível de ser apreendida empiricamente. Assim, para ele, o positivismo falseia o real porque não tematiza a relação do sujeito como todo social. No entanto, aqui podemos apontar a primeira limitação do pensamento de Habermas. O problema de fundo não se localiza na relação do sujeito com o objeto, mas advém da própria natureza do objeto: sua ambigüidade como objeto e, ao mesmo tempo, como sujeito; ou, se quisermos, a ambigüidade do sujeito que, ao estudar a sociedade, faz de si mesmo o objeto. O pesquisar insere-se, como homem concreto, no interior do objeto. Ele é o objeto. Este, por sua vez, separa-se (abstratamente) de si mesmo e transforma-se no sujeito da pesquisa. Assim, se com base em Adorno ele preserva certa abertura não-lógica no interior do conceito de totalidade dialética, não consegue ultrapassar de todo o positivismo que tenta criticar. Ora, a rigor, se o problema fosse apenas tematizar a relação sujeito-objeto, isso poderia ser feito analiticamente, ou seja, do modo científico próprio das ciências naturais. Essa tematização poderia levar não ao compromisso de emancipação proposto por Habermas, mas á isenção reivindicada por Weber.

         Essa questão pode ser notada à medida que Habermas admite uma abertura não-lógica no conceito de totalidade dialética, mas propõe outra "racionalidade" (não menos científica), uma racionalidade crítica, que seria superior à racionalidade instrumental. Nessa perspectiva, a ciência social não admitiria uma falseabilidade estrita no terreno particular da relação entre a parte e o todo, não obstante possa haver uma constante aproximação entre teoria e prática por meio da verificação. Assim, ele abre espaço para um tipo de conhecimento da sociedade que se legitima, não pela experiência imediata, mas pelo conhecimento compreensivo das "tendências". A racionalidade proposta por Habermas passa a mover-se em dois pólos, um seria a experiência estrita e outro seria a tendência. No entanto, esses pólos aparecem ligados não pela praxis humana, mas pela racionalidade crítica do pesquisador. Existe aqui, nitidamente, um retorno a Kant. Trata-se de um a priori que vai justificar as normas e valores que consubstanciam a incidência crítica. É nesse contexto que se coloca para Habermas a superação da contradição entre forças produtivas e relações de produção e sua proposta de "reformismo radical", a partir da crítica ideológica às determinações do capitalismo tardio.

         Portanto, o normativo pode pertencer à esfera da ciência, a partir de uma especulação racional sobre a comunicação ideal. Isso legitimaria um discurso racional sobre os valores, que seriam extraídos não da realidade empírica mas da dimensão racional, tomando como referência uma situação de consenso virtual em torno da verdade. Ele quer evitar o "historicismo" e o "naturalismo" e quer, ao mesmo tempo, justificar cientificamente os valores, caindo numa forma de racionalismo idealista. Uma solução tipicamente Kantiana, uma crítica da razão pura. Tal como Popper, ele admite uma ponte entre ciência e valores, mas não aceita uma solução empírica para essa relação. Para Habermas, a solução é racional. Ora, sob a forma de uma razão pura a revolução, que é uma categoria fundamental ao marxismo, perde seu significado ontológico e a história é vista como uma evolução presidida pela razão crítica. O complemento político dessa concepção só pode ser o "reformismo radical".

         Não há dúvida de que a Escola de Frankfurt da década de 30 e início de 40 deu uma contribuição original ao materialismo histórico, "mas ao mesmo tempo não conseguiu estabelecer a relação com a praxis, central ao projeto marxista". Dessa forma, "o trabalho de Habermas, desde a década de 60, pode ser visto também como uma alienação progressiva da perspectiva mais marxista dos anos da formação". (Origem e Significado da Escola de Frankfurt, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1978, Phil Slater.)

         BIBLIOGRAFIA:

         SLATER, Phil. Origem e Significado da Escola de Frankfurt. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978.