Referência:
GENRO FILHO, Adelmo. Sobre a crise e as novas tecnologias. Florianópolis, 1985, mimeo., 11 pp. [Texto datilografado da monografia elaborada por Adelmo Genro Filho para a disciplina "Sociologia do Poder", do Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Mestrado) da Universidade Federal de Santa Catarina, ministrada pelo professor Rabah Benacouche cursada no primeiro semestre de 1985.] [Ref.: T084]
Sobre a crise e as
novas tecnologias

         Para que se possa falar sobre a atual crise do capitalismo e o significado das novas tecnologias, notadamente da microeletrônica, é preciso situar o contexto histórico e econômico dessa crise. Não se trata de algo gratuito ou casual, mas de um processo que possui raízes bem definidas e uma lógica que pode ser compreendida em seu desdobramento, pelo menos em seus traços mais gerais. Em O Capital, Marx demonstra exaustivamente a vocação natural do capitalismo, por suas próprias contradições essenciais, no sentido da concentração e do monopólio. Porém, na época de Marx, em que pese a tendência para a monopolização, vigorava ainda o capitalismo da livre concorrência. Foi Lênin, em 1916, através de seu livro O Imperialismo, etapa superior do capitalismo, quem delineou com mais precisão os traços gerais de uma nova situação que surgia no alvorecer do século XX. Paralelamente ao movimento de concentração do capital industrial, ocorre a concentração do capital bancário. Dessa forma, os bancos, que eram inicialmente apenas intermediários nos pagamentos, tornam-se fornecedores do capital, passando a controlar os investimentos e o próprio ciclo econômico como um todo. Ocorre, então, uma fusão financeira e administrativa entre a indústria e os bancos, naturalmente sob a hegemonia destes últimos. O novo tipo de capital "misto", sob o controle dos banqueiros e grandes usurários em geral, constitui-se exatamente no fenômeno que é chamado de capital financeiro. O segmento burguês que controla esse tipo de capital, nítidamente hegemônico na fase imperialista, Lênin chamou de oligarquia financeira. (1)

         Portanto, a partir do fim do século passado e início deste, em virtude das imensas contradições geradas pelo imperialismo, à medida que a especulação financeira e a usura tornam-se a atividade mais lucrativa, alguns autores falam num "declínio histórico" do capitalismo. A hegemonia parasitária do capital financeiro aprofunda o confronto entre as potencialidades sociais que se expressam na dimensão técnica e científica das forças produtivas, por um lado, e por outro no caráter limitante da apropriação privada, ou seja, nas relações sociais de produção. Trata-se de uma contradição que não pode ser compreendida em termos de uma catástrofe econômica ou do "colapso inevitável" do capitalismo, mas tão somente do aguçamento das contradições sociais e políticas que decorrem das soluções econômicas para cada crise. As teses de Rosa Luxemburgo estavam baseadas na idéia desse colapso econômico inevitável. Ela combatia as posições de Kautsky, líder da social-democracia alemã, que defendia a idéia de que o imperialismo tenderia a pacificar o mundo e a permitir a transição pacífica para o socialismo. Embora Rosa Luxemburgo sempre tivesse sido combatida como "trotskista" por Stálin, é sob a direção deste último que a tese do "colapso inevitável" vai ser adotada pela III Internacional. Ainda hoje, nos meios da esquerda, não são poucos os que acreditam que o capitalismo, um dia, vai desmoronar como um castelo de cartas pelo simples funcionamento da lógica econômica. No entanto, sabemos que a sorte do capitalismo, sua continuidade ou superação, depende fundamentalmente da luta de classes. O futuro da humanidade não está escrito por ninguém e poderá ou não ser escrito por todos. É verdade que o crescimento do capitalismo é desigual e que essa desigualdade implica em crises, rearranjos e novas articulações a nível internacional. Mas as crises, em si mesmas, representam um papel funcional sob o ângulo estritamente econômico.

         Para Marx, "as crises não são mais que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções violentas que restabelecem, por um momento, o equilíbrio desaparecido". Elas constituem uma forma de existência do próprio sistema, decorrentes das leis mais gerais desse modo de produção: "A possibilidade geral das crises é a própria metamorfose formal do capital, a separação no tempo e no espaço, da compra e da venda. Mas isso não é, nunca, uma causa das crises. Não é, com efeito, mais que a forma mais geral das crises; consequentemente, a crise em sua expressão mais geral". (2)

         As crises significam que houve uma produção excedente de capital em relação às possibilidades de realização enquanto mercadorias, sendo necessário um processo traumático de destruição desse excedente.

         "Onde o processo de reprodução se estanca e o processo de trabalho se restringe ou, em parte, se paralisa, destrói-se um capital efetivo. O maquinário que não se emprega não é capital. O trabalho que não se explora equivale a uma produção perdida. As matérias- primas que ficam inúteis não são capital. Os valores de uso (assim como o maquinário recém-construído) que não são empregados ou que ficam por terminar, as mercadorias que apodrecem nos armazéns: tudo isso é destruição de capital. Tudo isso traduz-se num estancamento do processo de reprodução e no fato de que os meios de produção não entram em jogo com esse caráter. Tanto pelo seu valor de uso como seu valor de troca, portanto, se perdem." Existe também a destruição de capital, nas crises, pela depreciação de massas de valor, que as impede de voltar a renovar, mais tarde, na mesma escala, seu processo de reprodução como capital. "É a queda ruinosa dos preços das mercadorias. Não se destroem valores de uso. O que perdem alguns, outros ganham." Marx aqui demonstra com muita clareza o aspecto funcional das crises: embora se " percam" valores de uso e valores de troca, os valores de uso não se destroem; em que pese a depreciação de uma determinada massa de valor, enquanto capital, que jamais retornará aos níveis anteriores, "o que perdem alguns, outros ganham". Ou em suas próprias palavras:

         "Uma grande parte do capital nominal da sociedade, isto é, do valor de troca do capital existente, fica destruída para sempre, se bem que esta destruição, já que não afeta o valor de uso, pode servir precisamente para estimular muito a nova reprodução". (3)

         A profunda internacionalização do capitalismo, que ocorre com base da intensa concentração e monopolização, possibilita que a burguesia consiga - em certa medida - "administrar" os efeitos da crise atual, para que as suas manifestações não apareçam como catastróficas e agudas. É desse modo que a crise atual aparece, basicamente, como crise "monetária" e "financeira", na qual as mercadorias não se amontoam nas prateleiras como aconteceu em 1929. Não obstante, o mecanismo interno de seu funcionamento, suas causas essenciais e também suas conseqüências continuam sendo as mesmas.

         "Um dos efeitos mais evidentes provocados pelas novas contradições geradas pelo processo de internacionalização do capital foi a crise do sistema monetário internacional, primeira manifestação da atual crise estrutural". (4) (*)

         Castells demonstra que, nas atuais condições da crise do capitalismo monopolista, a intervenção do Estado e a inflação são fenômenos estruturalmente ligados entre si. "Assim, o sistema capitalista, incapaz de aumentar a taxa de mais-valia absoluta (em função da luta de classes - A.G.F.) e sujeito aos efeitos contraditórios da concorrência capitalista,_ tem que desenvolver as forças produtivas, tem que efetuar mais inovações tecnológicas para poder apropriar-se cada vez mais de valor, produzido por um trabalho humano que é cada vez mais produtivo. Entretanto, esse desenvolvimento das forças produtivas tem que ser feito de maneira rentável, com o objetivo de produzir mercadorias que possam ser vendidas em um mercado que, estruturalmente, é cada vez menor ( em relação à capacidade produtiva)" (5)

         Esse desenvolvimento das forças produtivas, com a redução dos custos a que se refere Castells, para que o capitalismo possa superar a crise econômica em termos estruturais, só pode ocorrer a partir de inovações tecnológicas que se relacionam com a emergência de novos processos de trabalho. " Uma avaliação recente, que saúda alegremente os robots industriais como podendo trabalhar 24 horas por dia e 365 dias ao ano, ininterruptamente, sem necessidade de custos com iluminação, aquecimento etc. e livre de complicações em matéria de relações de trabalho, aponta para reduções de custos comparáveis às alcançadas com a revolução industrial do século XVIII". (6)

         Essas novas tecnologias, que hoje se apresentam como instrumentos para a superação da crise capitalista, podem ser classificadas do seguinte modo: a microeletrônica (notadamente a informática), a biotecnologia ( especialmente em termos de agricultura), e os "novos materiais" (principalmente para a industria aeronáutica e espacial). (7) Todos os instrumentos indispensáveis para a redução dos custos na indústria e nas atividades produtivas em geral. Sem entrar na discussão em termos de causas e conseqüências, Rabah Benakouche também indica essa interação entre a crise e a emergência das novas tecnologias:

         "A atual crise - como todas as outras Grandes Crises que as economias industrializadas atravessaram no século XIX - associa-se a uma mutação tecnológica radical. As interações da crise econômica / revolução tecnológica são complexas. Sem pretender discutir aqui e agora se a revolução tecnológica é causa ou conseqüência da crise, limitamo-nos a colocar em relevo o fato de que a década de 70 é marcada pelo declínio da taxa de produtividade em todas as economias capitalistas avançadas, inclusive nos principais países". (8)

         Esse problema da prioridade entre a crise e as novas tecnologias é, efetivamente, complexo. Não se trata de uma simples relação linear de causa-efeito, nos termos da filosofia mecanicista do século XVIII. Nem a crise econômica cria do nada uma revolução na tecnologia, nem as tecnologias produzem, por si mesmas, os efeitos sociais das crises nas quais estão embutidas. São as relações sociais que devem ser analiticamente consideradas, a fim de que se possa perceber com mais nitidez o encadeamento entre as duas. O capitalismo, como já vimos, potencializa e realiza espontânea e continuamente o desenvolvimento das forças produtivas como necessidade intrínseca de seu funcionamento. Acontece que existe uma relativa autonomia entre aquilo que é potencializado em cada momento histórico e, por outro lado, aquilo que é efetivamente realizado nos termos desse progresso científico e tecnológico. Nos momentos críticos, quando se impõe a crise econômica, ocorre uma concentração de esforços e recursos no sentido de realizar as potencialidades já existentes e inclusive de ampliá-las. Volta então o equilíbrio que havia sido perdido, através de um momento traumático e socialmente explosivo, para que o capitalismo possa retomar seu caminho de prosperidade. Portanto, de um lado, o desenvolvimento tecnológico fornece as premissas econômicas para as crises, por meio do aumento constante da produtividade, por outro, fornece as condições para solucioná-la, à medida que possibilita uma diminuição dos custos, aumento da mais-valia relativa e monopolização da produção e dos valores que são apropriados pelo capital. Essa, sem dúvida, é a relação do avanço tecnológico com as crises cíclicas do capitalismo. Porém, isso não ocorre sem "custos sociais":

         "Agora, para que possa surgir novamente um extenso período de prosperidade como o último pós-guerra - se é que isso ainda venha a ser possível -, será necessário estabelecer uma elevação persistente da taxa de lucro e garantir novas e substanciais oportunidades de investimentos. Os meios que a burguesia pode apelar com essa finalidade começam com as políticas de redução dos custos privados e sociais da produção, através do rebaixamento dos salários reais e do encurtamento das despesas com educação, saúde e outros aspectos do bem-estar social". (9)

         O papel que exerce atualmente o Fundo Monetário Internacional, como maestro que procura orquestrar os interesses do capital financeiro a nível internacional, impondo políticas de "austeridade" econômica, com cortes nos gastos públicos e desaquecimento da economia nos países dependentes, é a manifestação concreta dessa estratégia. A" administração" dos efeitos da crise, sem no entanto neutralizá-la, como foi referido acima, passa pela distribuição centrífuga dessas conseqüências sobre os países dependentes. Isso levará, certamente, não apenas a uma profunda rearticulação mundial do capitalismo, em termos de uma nova divisão internacional do trabalho, com a transferência de indústrias tradicionais (atividades poluentes ou que exigem maior mão-de-obra), como ao questionamento da hegemonia norte-americana. Além do mais, esse processo deverá acarretar o aguçamento da luta de classes nos países "relativamente desenvolvidos" como o Brasil, que já possuem uma infra-estrutura industrial considerável e, portanto, serão preferenciais como "importadores" desse tipo de desenvolvimento. A rigor, esse processo já está começando a ocorrer e, a médio prazo, tenderá a intensificar-se. O sucesso desse empreendimento, portanto, está condicionado a certas questões políticas, sendo a principal delas a derrota ou subserviência das classes operárias de tais países frente a essa política. Percebendo, talvez, a gravidade da crise política que deverá gerar o equacionamento e a solução da crise econômica, alguns por serem ideólogos conscientes da burguesia e outros por ingenuidade, formulam teses sobre uma suposta "sociedade da abundância" que estaria sendo gestada pelo advento das novas tecnologias. Chega a ser profetizada, por muitos, a própria eliminação do trabalho assalariado dentro dos marcos da sociedade capitalista. Seria a realização do socialismo pela técnica, sem revoluções, rupturas e constrangimentos para os proprietários dos meios de produção. Não há dúvidas que a informação deverá transformar-se, e isso já está efetivamente ocorrendo, numa mercadoria de primeira grandeza. Não obstante, pela lógica do capital, nada autoriza supor que suas contradições fundamentais poderão ser superadas em função de mero desenvolvimento:

         " Parece completamente absurdo falar, - diz Enzensberger - a curto prazo, como Marcuse tem feito, de "uma sociedade da Super Abundância" ou de uma eliminação da miséria. A riqueza das sociedades de consumo desenvolvidas do oeste, até onde não são uma mera miragem da população, é o resultado de uma onda de pilhagem e saque incomparável na história; suas vítimas são, de um lado, os povos do Terceiro Mundo e de outro, os homens e mulheres do futuro. Trata-se portanto de um tipo de riqueza que produz inimaginável miséria." (10)

         Embora otimista com relação às possibilidades de o Brasil romper o cerco das potências capitalistas, via controle e investimento maciço do Estado, para assim conquistar sua fatia no mercado internacional da informática e melhorar sua posição relativa no cenário internacional, Rabah Benakouche reconhece que a tendência dominante é outra:

         " Nos países industriais, a difusão dos métodos eletrônicos da automação, para os principais setores da economia, traduz-se por um ganho substancial de produtividade, o que revigora a economia no seu conjunto. Isso repercute, conseqüentemente, sobre a divisão internacional do trabalho, ou seja, sobre o papel de cada país no cenário econômico mundial. Como a maioria dos países do Terceiro Mundo não dispõe de recursos financeiros e científico-tecnológico para investir em pesquisa, os progressos da automação resultam no enfraquecimento do papel que estes países vêm ocupando nas três últimas décadas no comércio internacional. Essa mudança deve-se ao fato de que os países do Terceiro Mundo passaram a perder sua vantagem comparativa (baixos salários, docilidade da força de trabalho e baixos custos das matérias-primas) em favor dos países industriais". (11)

         Quanto a supressão do trabalho assalariado, com a automação total do processo produtivo, Castells demonstra que se trata, não de uma possibilidade real, mas exatamente da indicação de um "limite" que o capitalismo não pode atingir, por sua própria natureza como modo de produção baseado na extração da mais-valia, sendo que esta se origina - necessariamente - do trabalho humano e não das máquinas. As máquinas, é verdade, podem multiplicar a efetividade do trabalho humano, a eficiência, a produtividade e, por conseguinte, a taxa de exploração através da mais-valia relativa. Mas não podem gerar valor. Supondo, por exemplo, um absurdo: a realização dessa situação-limite. Teríamos, então, todos os produtos feitos por máquinas apenas, sendo que as máquinas também seriam produzidas por máquinas, todas controladas por um computador central ou vários deles, manipulados pelos próprios capitalistas. O resultado é que o valor de todas as mercadorias seria igual ao montante de trabalho investido. Não haveria mais-valia, nem lucro, nem acumulação da capital.

         Segundo Castells "a tendência ao crescimento da taxa de mais-valia relativa, através do desenvolvimento da produtividade do trabalho, pode conduzir, em última instância, à automatização total do processo produtivo: máquinas reprodutoras de capital. Isto está em óbvia contradição com a existência do capital. Portanto, trata-se de um limite e não de um processo histórico real.(...) De fato, o trabalho humano produtivo não desaparecerá totalmente mesmo com a automatização". Entretanto, uma generalização ampla da automação reduziria sensivelmente a proporção de trabalhadores produtivos - que se ocupariam em 'apertar botões' - em relação ao valor produzido, de forma tal que se alteraria totalmente a relação entre os produtores e o conjunto da organização social. " O capital está baseado na apropriação privada do trabalho humano produtivo. Portanto, a tendência à automatização introduz uma contradição fundamental num sistema que não pode substituir os trabalhadores por máquinas e que, simultâneamente, tende a substituí-los como resposta a sua crescente pressão". (12)

         De fato, há mais de um século, Marx colocou a questão que inspira e orienta a reflexão de Castells. Marx percebia, já naquela ocasião, que a maquinaria tendia a diminuir a importância da exploração direta dos trabalhadores, para tornar-se exploração das forças produtivas atualizadas pelo "corpo social" como um todo. E aqui, entra não apenas uma apropriação do trabalho a nível mundial e o comprometimento das gerações futuras (pela depredação da natureza e dos recursos não-renováveis), mas também a exploração residual do trabalho acumulado pelas gerações passadas. Vejamos o que ele diz:

         " Com esta transformação, (maquinaria- A.G.F.) não é o tempo de trabalho utilizado, nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, que surgem como fundamento principal da produção de riqueza; é, sim, a apropriação da sua força produtiva geral, do seu entendimento da natureza e da sua faculdade de a dominar, desde que se constitui em corpo social; numa palavra, o desenvolvimento do indivíduo social representa o fundamento essencial da produção e da riqueza.(...) O roubo de tempo de trabalho de outrem sobre que assenta a riqueza atual surge como uma base miserável relativamente à base nova criada e desenvolvida pela própria industria". (13) E mais adiante, complementa que o capital é uma contradição em processo: diminui o tempo de trabalho na sua forma necessária, para aumentar na forma de sobretrabalho.

         Injetar doses maciças de alta tecnologia, o que exige um grande volume de capital concentrado, é a grande saída para uma retomada do crescimento capitalista, embora essa "saída" coloque o sistema numa ladeira ainda mais íngreme e acentue suas contradições econômicas, sociais, políticas e culturais. Os grandes monopólios internacionais possuem uma clara consciência dos rumos que devem ser assumidos, como indicam as palavras de Roger Smith, presidente da General Motors: " Não podemos continuar a fazer carros com os métodos e as máquinas inventadas há setenta anos. Sistemas mais eficientes têm de ser descobertos e a eletrônica é o melhor meio de encontrá-los.(...) Os Estados Unidos estão mergulhados na maior revolução tecnológica de sua história e nós não poderíamos perder essa oportunidade".(14) A General Motors do Brasil não quer ficar ao largo da revolução tecnológica promovida em sua matriz, em Detroit. Ela endossa integralmente a tese defendida pelo presidente do conselho de administração da GM dos Estados Unidos, Roger Smith, segundo o qual a eletrônica é o passaporte para um feliz ingresso no século XXI. Mesmo que a primeira tentativa de robotização da filial brasileira, há cerca de um ano, tenha esbarrado na reserva de mercado imposta pela Secretaria Especial de Informática, é evidente que a história não termina aí: "De qualquer forma, nós nos estamos armando no que diz a respeito à utilização em larga escala de computadores", diz o americano Clifford Vaughan, presidente da GM do Brasil. (15)

         Na verdade, nem mesmo nos períodos de crise econômica as subsidiárias das multinacionais realizam cortes em seus investimentos. Esse é o caso, por exemplo, do Brasil, segundo estudos da professora Maria Limeira de Carvalho, especialista em estratégia empresarial. Ao analisar a trajetória de quatro gigantes do mercado de bens de consumo - Volkswagen, Gessy Lever, Souza Cruz e Nestlé -, no decorrer das duas últimas décadas, a pesquisa conclui que durante as fases recessivas essas empresas redirecionaram as prioridades de suas estratégias de crescimento. " As quatro empresas demonstraram taxas reais positivas de crescimento em seus investimentos, seja em ativo fixo nas operações correspondentes, seja em participação em outras empresas". (16)

         No contexto das novas necessidades colocadas por esse reordenamento tecnológico do capitalismo e da superação da crise, até mesmo a ecologia se torna um freio ao lucro. Portanto, é preciso fazer dela uma fonte de lucros, transformá-la em mercadoria, produzi-la em grande escala e vendê-la. Já que a produção de "bens materiais" teria condicionado a crise ecológica, trata-se de produzir agora "bens imateriais".

         "A sociologia norte-americana, com Daniel Bell, Marshall Macluhan e outros, já produziu a ideologia apologética dessa reconversão: é o tema bem conhecido do advento de uma nova forma de sociedade: a sociedade pós-industrial, apresentada como novo progresso na libertação da humanidade em respeito às necessidades materiais. Estas últimas sendo amplamente satisfeitas para todos, graças ao enorme aumento da produtividade do trabalho, dizem-nos, os homens vão poder enfim preocupar-se em satisfazer necessidades mais nobres e mais etéreas.(...) A economia industrial tinha com inputs essencialmente a matéria e a energia, transformadas pelo trabalho humano, e como outputs bens tangíveis. A economia pós-industrial será uma economia de serviços, da qual a informação será ao mesmo tempo o principal input e o principal output". (17)

         Por trás dessa mitologia postiça, conclui o mesmo autor, esconde-se uma realidade mais severa: o reordenamento da industria em escala mundial, a transferência das industrias poluentes e agressivas ao meio ambiente para os países dependentes. Se, do ponto de vista econômico, como já vimos, é teoricamente inconcebível a abolição do trabalho assalariado mesmo que ele seja reduzido em termos relativos, pois o capitalismo funciona como apropriação constante do "trabalho vivo" pelo "trabalho morto", sob o aspecto técnico é também inconcebível a supressão do trabalho humano. Podemos pensar, nas fronteiras da imaginação teórica, uma drástica redução e, até, quase a abolição do trabalho industrial nas economias centrais do sistema capitalista, o que poderia significar praticamente a extinção da classe operária tradicional nesses países .E da mesma forma, pensar como Braverman- em seu livro Trabalho e Capital Monopolista - que se inclina pela tese do surgimento de uma nova classe operária, que seriam os técnicos de nível inferior e "perfuradores de cartão" dos computadores. No entanto, não se pode visualizar nas fronteiras do possível duas coisas: a abolição do trabalho assalariado mesmo nos países mais desenvolvidos e a extinção da classe operária industrial em termos mundiais. Até porque, a maior parte do mundo sequer chegou na "sociedade industrial" e, além do mais, a complexa cadeia da produção material que leva até os sofisticados computadores envolve o aparato produtivo como um todo. Vários estudos, hoje, confirmam que certas formas de trabalho "pré-capitalistas", notadamente no campo, não são sobrevivências em via de extinção, mas aspectos funcionais ao próprio capitalismo como um todo e componentes da taxa geral de lucro do capital. Assim, é uma hipótese bastante forte a idéia de que certas formas de trabalho industrial tradicional sejam igualmente funcionais em relação ao lucro dos monopólios que atuam nos ramos mais modernos e automatizados da produção, através de uma tranferência da mais-valia produzidas naqueles cuja composição orgânica do capital é menor. Some-se a isso, a própria concentração do capital, que é uma forma de superar a crise, mas atua no sentido de impedir que as pequenas e médias empresas consigam investir intensivamente em novas tecnologias, especialmente em alguns setores ainda vinculados a formas manufatureiras de produção.

         A técnica e a ciência em geral, e as novas tecnologias em particular (notadamente a informática, a telemática e a robótica) não são neutras. Aliás, isso já se tornou um lugar comum afirmar. Porém, o fato delas encarnarem uma determinada qualidade inerente às relações de produção, como afirmam acertadamente os ecologistas e certos defensores da "contra cultura" ou de uma romantica voltada ao "bom selvagem" de Rousseau, deve ser visto em sua dupla dimensão. Realmente, a técnica e a ciência estão marcadas indelevelmente pela particularidade dos interesses burgueses inscritos nas relações de produção capitalistas. Mas, por outro lado - e isso muitos ecologistas esquecem ou não querem lembrar - elas representam um acúmulo universal, cuja origem está naquele remoto hominídeo que jogou a primeira pedra, com uma finalidade mais ou menos definida, para obter uma caça que não poderia enfrentar com seus dentes ou unhas. Quer dizer, a ciência e a técnica, a um só tempo, não são neutras porque apresentam dois vetores qualitativos em termos sociais: um particular ( que deve ser criticado e superado) e outro universal (que deve ser repensado e ampliado). De qualquer modo, o fundamental para se pensar qualquer perspectiva realista para a humanidade é compreender que os computadores vieram para ficar. Os caminhos da história, exceto por acidente que nos reconduza à barbárie, não tem retorno. Ou pensamos no futuro nos termos do futuro, ou nosso projeto será inevitavelmente suplantado pelo simples correr dos dias. A realidade imediata da tecnologia, sob o capitalismo, é inevitavelmente a exploração do homem pelo homem. Durante as crises, como esta que estamos atravessando, significa uma saída para um novo ciclo de acumulação e "prosperidade" para uma parcela dos homens. Mas também, em termos mundiais, desemprego, arrocho salarial, aumento da pauperização relativa e aprofundamento dos laços de dependência e subordinação financeira dos países periféricos. Mas a tecnologia e a ciência, pelo potencial de socialização que intrinsecamente elas implicam, por aumentarem enormemente as possibilidades de comunicação coletiva e satisfação das necessidades sociais, apontam para um futuro diferente. Recolocam, em novos termos, mas com a mesma evidência, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. A economia coloca as contradições, mas não as resolve. Só os homens poderão fazê-lo, particularmente os homens explorados e oprimidos e todos aqueles que sonham com uma vida melhor para todos. Poderá acontecer, então, aquilo que Marx previa:

         "Ocorre então o livre desenvolvimento das individualidades. Já não se trata, então de diminuir o tempo de trabalho necessário com vista a desenvolver o sobretrabalho, mas de reduzir em geral o trabalho necessário da sociedade a um mínimo. Ora, esta redução supõe que os indivíduos recebam uma formação artística, científica etc., graças ao tempo libertado e aos meios criados para o benefício de todos." (18)

         O impasse é real, mas é grandioso. A catástrofe se avoluma, mas a solução - embora não seja espontânea ou automática - é pertinente à própria objetividade que impõe as condições para a catástrofe. Em que pese refira-se a uma "razão" genérica, sem conteúdo de classe, como se fosse possível no capitalismo uma tomada de consciência indiscriminada, Jean Landrière situa os termos gerais da encruzilhada. Suas palavras, pela síntese poética, servem para concluir estas breves reflexões com o otimismo necessário:

         "Por um paradoxo apenas aparente, é no momento em que a ação se objetivou em sistemas de imenso poder, capazes de se autofinalizarem e aparentemente susceptíveis de impor à razão coerções decisivas, perniciosas para sua própria autonomia, que ela vê ampliar-se o domínio de suas iniciativas e de sua responsabilidade. O risco de alienação é real, mas o crescimento das possibilidades criadoras é conforme a medida desse risco". (19)

         NOTAS

         (1) GENRO FILHO, Adelmo." Imperialismo, fase superior do capitalismo / Uma nova visão do mundo", in Lênin: Coração e Mente. c /Tarso F. Genro, Porto Alegre, Ed. TCHÊ, 1985, p.69, série Nova Política.

         (2) MARX, Karl. As crises econômicas do capitalismo. São Paulo, Ched Editorial, 1982 pp. 7 e 8.

         (3) Idem, p. 15.

         (4) CASTELLS, Manuel. A teoria Marxista das crises econômicas e as transformações do capitalismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p.119.

         (5) CASTELLS, op. cit. p.89.

         (6) OHLWEILER, Otto Alcides. A crise mundial e a estratégia da revolução proletária. In: Revista Teoria e Política. São Paulo, Editora Brasil-Debates, 1985, n. 7, p.59..

         (7) BENAKOUCHE, Rabah e BURSZTYN, Marcel. A questão das novas tecnologias. Texto inédito, p.1.

         (8) Idem p. 5.

         (9) OHLWEILER, op. cit., p.58.

         (10) ENZENSBERGER, Hans-Magnus. Uma crítica da ecologia política. Belo Horizonte, Ed. Vega, 1978, p.110, (Col. Polêmica).

         (11) BENAKOUCHE e BURSZTEYN, op. cit. pp.7 e 8.

         (12) CASTELLS, op. cit. pp.82 e 83.

         (13) MARX, Karl. Conseqüências sociais do avanço tecnológico. São Paulo, Edições Populares, vol. 1, Obras Completas, 1980, pp. 50 e 51.

         (14) Revista Veja, Ed. Abril, n 877, 26 de junho de 1985, p. 97.

         (15) Idem, p.97.

         (16) Jornal Folha de São Paulo, 22 de junho de 1985, p.8.

         (17) DUPUY, Jean-Pierre. Introdução à crítica da ecologia política. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980, p.20.

         (18) MARX, op. cit., p.51.

         (19) LADRIÈRE, Jean. Os desafios da racionalidade. Rio de Janeiro, Vozes, 1979, p.220.

         (*) O autor riscou desta versão, neste ponto do texto, o seguinte parágrafo:

         A crise econômica mundial - afirma Otto Alcides Ohlweiler - coloca frente a frente a teoria científica marxista sobre a acumulação e a derrocada de um capitalismo e a ideologia keynesiana do "Estado do bem-estar social" sob a égide do capitalismo supostamente livrado, por fim, das suas contradições intrínsecas. "Nos 25 anos de prosperidade capitalista do último pós-guerra, a morte do marxismo foi reiterada e insistentemente proclamada um sem número de vezes pelos epígonos e adeptos de Keynes. Entretanto, o que a crise mundial da década de 70, que adentrou a década de 80, se encarregou de mostrar, de forma definitiva, foi o sepultamento inapelável da panacéia keynesiana".

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